Capítulo 1

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ELA NÃO GOSTAVA disso, mas gostava ainda menos da alternativa. Isto é, sexo até podia ser uma necessidade natural da espécie, mas a intimidade com outra pessoa, a exposição deliberada de seu mundo particular a alguém com sua própria rotina e seus próprios interesses, era um mal que bem podia ser evitado. E ela o evitava. Sempre o evitara, na verdade.

Perdera a virgindade aos 14 anos. Somente uma pessoa, porém, havia tocado seu corpo mais de uma vez — e não tinha sido um homem. Sim, ela já havia tido relacionamentos com mulheres. Precisava saber como era. Queria sentir o gosto de outra garota, provar o prazer com outras nuanças, e foi na novidade dessa experiência que acabou descobrindo um afeto e uma conexão profunda que a levaram a mais de um encontro. Pena que não durou muito a sensação de que era especial e inabalável. Não era. O deslumbre da novidade logo passou e ela nunca mais tornou a ver Lauren depois de apanhar suas coisas no apartamento desta.

Em todo caso, se sexo era prazer — e era, pois qualquer coisa a mais eraamor, o que ela considerava o sintoma febril da contaminação por um vírus inerradicável e ampla e perigosamente disseminado —, a verdade era que a experiência mais intensa que tivera nem mesmo havia sido com Lauren, ou com Carol ou Lizzy. Fora gemendo e sussurrando mútuas provocações e obscenidades e se contorcendo feito duas bestas ensandecidas na cama de um certo Michael Sanders que Alicia vivenciara a apoteose do gozo. Um orgasmo tão extasiante que por pouco não a fez quebrar seu sagrado voto de promiscuidade vitalícia. Por duas vezes ela teve de atirar o celular para longe, para não acabar ligando para a única pessoa a quem resolvera pedir o número, uma vez terminada a transa — pedira-o, assim, sem pensar direito no que fazia, sem querer pensar. Alicia manteve a determinação, no entanto. Resistiu ao desejo.

Logo fez andar a fila, como gostava de destacar toda vez que tocava no assunto com Sharon, a vizinha e melhor amiga. Era a única pessoa com quem Alicia falava de sua vida íntima. Ela ia muito ao apartamento dela. E então eram latas de cerveja nas mãos, outras latas vazias sobre a mesinha de centro. Risadas ébrias, descontraídas, a noite toda. Sharon tinha um namorado, Tony, mas ele trabalhava noutra cidade e os dois só se viam nos fins de semana. Embora amiga e confidente — talvez por isso mesmo —, ela não deixava de criticar a atitude de Alicia de usar os homens como sempre fazia.

"Ah, vá! Alguns não merecem isso."

"Não merecem o quê?"

"Que você seja uma vadia tão desalmada com eles. Quer dizer, tenho certeza de que houve caras com quem você já transou que estavam mesmo caidinhos por você."

"Se você diz."

"Estou falando sério. Sou capaz de apostar que alguns se deixaram iludir, que ficaram perdidamente apaixonados, sem saber a fria em que estavam se metendo."

"Bem, a gente não pode se responsabilizar nem ser responsabilizada por todas as desgraças alheias, é o que eu sempre digo."

"Não acredito que você não dê mesmo a mínima!"

"Não dou."

Não, ela não dava. Nunca dera. Por isso estava ali de novo agora, diante de outro idiota desprevenido. Dessa vez, o dono de uma banca de jornais que conhecera num dos bares que costumava frequentar. Ela o havia jogado sobre a cama nada confortável daquele hotel de quinta aonde os dois tinham decidido ir depois do sexto drinque. Num gesto abrupto, abriu a camisa dele e então correu os dedos entre os pelos que lhe cobriam o tronco largo e forte e a barriga um pouco saliente, até pousar a mão na altura de seu púbis e pressionar com força o órgão que intumescia por baixo da calça. O homem da banca de jornais — de cujo o nome ela não conseguia mais se lembrar — deu um gemido e Alicia então recuou um pouco e tirou a blusa e o sutiã. Os olhos fixos nele. Sempre.

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