Capítulo 3

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MIKE COLLINS TINHA 25 anos e era o hacker oficial da Unidade de Homicídios da polícia de Boston — quer dizer, oficialmente, era um técnico responsável por obter muitas das informações imprescindíveis às investigações, acessíveis através da internet ou nos bancos de dados disponíveis. Diante da tela de um computador, Collins era geralmente eficaz, mas em algumas ocasiões, quando isso se fazia necessário, o garoto conseguia informações que muitos acreditariam que só poderiam ser desenterradas por um passe de mágica, ou mais: por um milagre. Embora normalmente contasse — e precisasse contar — com uma autorização judicial para "hackear" os computadores de certos suspeitos sob investigação, a prática não era senão um hobby seu. Ele adorava invadir redes consideradas seguras apenas pelo prazer de conseguir entrar.

Aliás, mesmo no departamento de polícia, agiu algumas vezes além das margens da legalidade, quando juízes se recusavam a autorizar o procedimento, para poder ajudar alguns detetives em suas respectivas investigações, quando estes estavam perdidos, precisando de indícios ou evidências que confirmassem ou desfizessem de vez suas suspeitas, ainda que tais pistas ou provas jamais pudessem ser levadas a um tribunal. O detalhe não importava tanto. Afinal, o que ele conseguisse descobrir poderia ao menos ajudá-los a preparar uma emboscada feita dentro dos ditames da lei. Pois era isso! Nessas horas, Mike Collins não era menos que providencial, muitos diziam. Todos os detetives sabiam que ele fazia essas coisas, o chefe do departamento sabia que ele fazia essas coisas, até os faxineiros por certo sabiam que ele fazia essas coisas, mas todos se fingiam de cegos, surdos e mudos a esse respeito.

No DP, todos gostavam de Collins. Devido a uma deficiência, ao fato de ter a perna esquerda menor que a direita, o garoto tinha um andar manco e lento. Na infância e sobretudo na adolescência, isso o havia condenado a enfrentar situações difíceis e corriqueiras na escola. Ele ainda se lembrava muito bem de Phil Carson, do ensino médio. Alto, forte, atlético. Um desses idiotas vistos como populares, como maiorais. Carson vivia fazendo piadinhas na sala de aula ou pelos corredores do colégio:

"Lá vai o Collins! Quanta determinação, vejam só! Sempre ensaiando para o remake daquele clipe do Michael Jackson."

"Que clipe, Carson?", perguntava algum idiota do grupo.

"O de Thriller, é claro."

Risos. Gargalhadas. Brutamontes descerebrados e cheerleaders lindas e fúteis se divertindo com o garoto que seguia a passos irregulares rumo aos armários, alguns livros pesados na mão. Por sorte, ainda estavam a alguns anos da primeira temporada de The walking dead, era o que Collins pensava agora, quase dez anos mais tarde. Pensava com bom humor — um incrível bom humor! —, já que nunca se deixara afetar demais por aquelas coisas, por aquele tipo de gente. Tinha todos os motivos do mundo para se deprimir, mas de algum modo não foi assim que aconteceu. Mike Collins desenvolveu um tipo de blindagem, um campo de força contra todas aquelas provocações gratuitas. Não porque ele se sentisse inspirado por alguma esperança irracional na capacidade humana de aprender e mudar. Também não era por seguir à risca os ensinamentos de perdoar setenta vezes sete, de sempre oferecer a outra face à mão pesada que o esbofeteasse.

Collins não se importava tanto porque tinha um desejo em mente. Um desejo e um bom plano para concretizá-lo. Ele queria trazer para o mundo real o que se via em todas as fábulas morais conhecidas. Queria fazer essas pessoas, principalmente Phil Carson, sentirem um pouco como era estar em sua pele. Queria lhes dar uma lição.

Na época Collins já era um jovem gênio da informática. Sem muita dificuldade, ele conseguiu descobrir a senha do perfil de Carson no MySpacequarterback, nada muito genial, como esperado — e então postou várias fotos forjadas do valentão beijando na boca um de seus melhores amigos e colega de time de futebol. Os dois se pegando e se esfregando nus. Collins sabia que ninguém acreditaria que as fotos não fossem senão montagens, mas o objetivo era só a piada, era a zoação e os risinhos de todos, sempre que vissem o capitão do time do colégio em companhia do amigo e se lembrassem daquelas imagens, vistas por todos, gente de dentro e de fora do colégio. Além disso, os alunos gays também viram na brincadeira uma desforra. Eles que também sofriam o diabo com as recorrentes atitudes homofóbicas de Carson, com seu famoso lema "O Holocausto deveria ter sido para as bichas" — que era não apenas revelador de sua ignorância histórica, mas do tipo de postura intolerante que ele não receava tornar pública.

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