Comovente

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Sinceramente, hesitei um pouco em escrever essas palavras. Não que as ache desagradáveis, pelo contrário. É que elas doem em mim. Mas, como minha sina recém-descoberta de repórter de amores não me permite renegar missões, devo eu inflar-me de coragem e transformá-las em alimento que sacie a falta de significado do mundo.
Um dos protagonistas dessa triste história está sentado em frente a mim, enquanto escrevo essas palavras. Se algum de vocês examinar meus manuscritos, verá marcas. Marcas de dor, de risos, de lágrimas. Essa história foi vivida e escrita assim; banhada por lágrimas.
Ele era um apenas um rapaz, na época. Com seus traços nobres e suas maneiras cavalheirescas, herdeiro de uma grande e suntuosa fortuna, migrara de sua pacata e bucólica cidade natal para a agitada metrópole, com o objetivo de estudar. Leitor inveterado de poetas românticos, apesar de sua beleza e de sua fortuna, que arrancavam suspiros de jovenzinhas apaixonadas por onde quer que passasse, acreditava que nunca seria realmente feliz. Isso até encontrá-la.
Ela, mocinha de olhos e cabelos negros, dona de um forte gênio, estudava para professora na mesma universidade em que ele tencionava formar-se doutor. Rapidamente, ele notou-a. Não por sua beleza ou inteligência, apesar de essas serem notáveis, mas porque ela era a única que permanecia indiferente quando o via. E, como a natureza humana tende a desejar o que não a deseja, ele a amou, naquele momento.
Suas primeiras conversas foram marcadas por provocações e palavras ácidas. Ela, moça de família, porém com os horizontes ampliados demais para contentar-se com a ideia de passar a vida sendo tratada como troféu de um marmanjo mimado (não que ele o fosse. Era rico. E, sinto informar, a mocinha mantia um preconceito quase incurável em relação as pessoas ricas: acreditava que todas, sem exceção, eram fúteis demais para manter uma conversa inteligente.) ela não cedeu às suas primeiras tentativas de cortejá-la.
Cativado pela personalidade forte da jovenzinha, o rapaz não sucumbiu às suas provocações. Pelo contrário: seu espírito manso e dócil amou-a mais ainda, posto que o amor nada mais é que a saudável convivência de contrários. Nessa hora, ele interrompe sua narrativa e me aconselha: "Minha jovem, não procure sua alma gêmea. Procure seu complemento. Alguém igual a você não pode fazê-la uma pessoa melhor".
E, como era de se prever, ela também amou-o. A seu modo, é claro. Quanto mais ela o amava, mais ela o provocava com suas palavras ásperas e sarcásticas. E, quanto mais ela o provocava, mais ele apreciava sua companhia. Uma peculiaridade desse romance: seu ápice não deu-se no primeiro beijo. Deu-se no primeiro tapa. Despeitada e apaixonada, ela deu-lhe um tapa na face enquanto ele dirigia a ela seus melados galanteios. A esse tapa, ele respondeu com outro, e ela com outro, e pronto. Já estavam trocando apaixonados e calorosos beijos.
Passou-se algum tempo, e esse namoro bizarro evoluiu da forma que todos previam. Em pouco tempo, ele presenteou-a com um anel de brilhantes. E ela parou de provocá-lo e de tentar parecer independente: percebera que ele seria seu amor. Já estava escrito. Passavam todas as tardes juntos, trocando carinhos e palavras apaixonadas, imaginando seu futuro e admirando a fluente poesia que sua vida se tornaria quando seus lábios gritassem o "sim" que estava marcado para dali a poucos meses.
Até que uma peça do destino resolveu interromper seus planos. Em uma tarde chuvosa, ela queria voltar para casa. Ele disse que esperasse a chuva passar: era arriscado tomar o ônibus naquela tempestade. Ela zombou de sua preocupação estúpida, e deu-lhe um beijo de despedida. Disse que não havia pelo que temer, que em breve ela não precisaria mais separar-se dele. E depois daquela tarde, ela nunca mais voltou.
Ouviu-se de um trágico acidente de estrada, com uma moça entre as vítimas, porém, ele recusou-se a crer que ela estava envolvida. Preferiu acreditar que ela simplesmente se perdeu, no caminho. Todos os dias, ele escova seu terno para seu casamento dali a alguns meses. Eu não ouso desmentir suas esperanças. Pelo contrário, me esforço para compartilhar delas. Eu disse que essa história era dolorosa. Só a contei pela insistência dele em* divulgar seu pedido: se você encontrar por aí, perdida, uma moça de olhos e cabelos negros, a moça mais linda do mundo, que tem um sorriso que faz qualquer coração disparar e uma voz cuja graciosidade que supera até a das sereias mediterrâneas, por favor, diga-lhe que espero por ela!

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