Eu Juro Que Vi

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Existem fatos inexplicáveis que seriam difíceis
até de enumerar nesse relato. O que se segue
não é um conto - é um fato de muitos que
ocorreram e ocorrem nessas bandas. A cidade
de Japaratinga, em Alagoas, tem várias praias
belas, e hoje se tornou 'point', com várias
pousadas - algumas delas de padrão
internacional. Veraneio nesses ermos desde
início da década de 80 do século passado -
quando digo "ermos" não é por acaso. No
início do loteamento, apenas cinco casas
eram de veranistas, e as moradias de pau-a-
pique dos moradores nativos eram espaças e
isoladas no coqueiral, cujo único acesso ainda
é uma estrada de barro batido e com quase
nenhuma iluminação durante as noites. Pois
bem, o antigo cemitério da localidade foi
abandonado devido ao avanço do mar, que
adentrou no cemitério, desfazendo antigas
tumbas, tanto suntuosas quanto paupérrima.
No verão de 87, éramos adolescentes em
busca de novas emoções. Várias vezes fomos
alertados por nossos pais para respeitar os
costumes e sentimentos locais quanto ao
velho cemitério abandonado. Mas, vocês
sabem, a curiosidade matou o gato. Durante
a noite, saíamos de carro dizendo ir ao
vilarejo - o problema é que o local em
questão fica a meio caminho do povoado,
então... Sempre nos desafiávamos a
permanecer no centro do cemitério por cinco
minutos sem correr do 'spot' determinado, ou
remover algo de um sepulcro recente para
provar o "feito de bravura". Com efeito, nesse
ano tivemos uma das maiores ressacas dos
últimos tempos, o que castigou bastante o
combalido campo-santo. Na manhã seguinte,
fomos constatar os efeitos da arrebentação
das ondas sobre o terreno. Parecia um campo
de ossos - caixões semienterrados na barreira,
pélvis, clavículas, costelas, vértebras e tudo
quanto se faz necessário para montar um
esqueleto espalhavam-se pela areia da praia.
Mas faltava o principal: Crânios. Vasculhamos
palmo a palmo e nada... As meninas, mais
afoitas - acredite quem quiser - debruçavam-
se sobre os restos e cascavilhavam em busca
do "troféu". Tanto fizeram que conseguiram.
Estava na água rasa, deve ter rolado da
barreira e ido parar lá no mar. Tinha um tom
castanho de osso velho e apresentava a
dentição perfeita num sorriso eterno, um fato
raro, que não chamou a atenção naquele
momento. Voltamos triunfantes, mas
temerosos, pois se nossos responsáveis
descobrissem - adeus praia por vários dias.
Fomos até a casa de nossa valente
arqueóloga, os pais estavam no Recife,
escondendo o dito-cujo debaixo do armário
dela. Quando a noite avizinhou, os problemas
começaram. Resolvemos "brincar" com o copo
e descobrir o nome do usuário da peça
furtada. No início eram apenas risos, sustos
intencionais e nada do copo reagir. Cansados
da brincadeira nos levantamos para beber
água e apreciar alguns quitutes. Foi quando
ouvimos claramente uma espécie de brinde -
de copo batendo em copo - vindo da sala.
Voltamos. O mais absoluto silêncio havia se
instalado. Depois de alguns segundos
começamos a nos acusar e rir - "... pensa que
me pega nessa...", "... ha foi você...". Do
grupo inicial de doze restaram apenas sete
querendo ir adiante com a sessão.
Reiniciamos com a pergunta básica: "Têm
alguém aí", "Você é de luz ou da escuridão". E
o copo não se manifestava. Desistimos da
concentração e começamos a conversar - e
então o caldo entornou... Nossa amiga
começou a chorar compulsivamente e a falar
coisas desconexas "...desculpa, desculpa,
desculpa...", "...deixa...", "...não, eu
prometo..." - ríamos da pantomima: "quem
ela pensa que pega com esse
show...ha,ha,ha,ha,ha..." De súbito, ouvimos o
uivar característicos dos coqueiros açoitados
pelo vento forte. As janelas de madeira de
ficha rangiam com a pressão, a areia
penetrava pelas frestas, a luz ficou fraca
deixando tudo amarelado e penumbroso - nos
amontoamos no canto da sala, só ela
permanecia sentada à mesa, naquela lamúria.
BLAMMM - a janela abriu-se depois do
estalar do ferrolho. Para total pavor -
daqueles que tiveram coragem (ou insensatez)
de continuar com os olhos abertos - estava
prostrado um vulto em frente à janela, era
uma noite escura, mas aquela sombra
conseguia enegrecer ainda mais o ambiente.
Pasmados, vimos nossa amiga parar de
soluçar, levantar-se, ir até a janela, parar por
um segundo defronte ao vulto e fechá-la. O
vento cessou de imediato e luz ficou forte
novamente, levantamos e fomos ampará-la,
pois estava cambaleante. Perguntamos o que
ela tinha presenciado e antes de fechar os
olhos exaustos disse firme: "ele quer a cabeça
de volta!".

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