1. Julgamento*

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Eu não sentia mais dor, respirar já não doía. Lentamente abri meus olhos e um clarão de luz me cegou momentaneamente. Quando minha visão entrou em foco eu me encontrei em um lugar onde eu nunca estive.

Eu morri?

Olhei ao redor procurando a resposta que meu consciente me fazia. Tudo ao meu redor era branco, ou eu devo dizer o nada? Pois não havia nada além de um chão e um céu ambos brancos, uma imensidão pálida.

Comecei a andar por aquele lugar, se é que era um lugar, eu podia andar então devia ser um lugar. Não via começo, fim, formas, nada, era um vazio. Continuei andando, não sei por quanto tempo, ali parecia não haver tempo, eu andava e parecia que eu continuava sempre no mesmo lugar. Tudo era igual.

Sentei no chão, não porque estivesse cansada, já que nem sequer senti minha respiração acelerar, mas porque eu senti a realidade tomar conta de mim. Eu tinha morrido e provavelmente meus pais também. Abaixei a cabeça e toda minha breve vida me voltou à lembrança.

Lembrei-me de quando eu era pequena e ia brincar no balanço que tinha nos fundos da casa onde eu morei minha vida toda, lembrei-me das brincadeiras com minha mãe, com meu pai também, me lembrei das histórias que meu pai contava das viagens que ele fazia, de quando íamos visitar o tio Joseph, ele não era meu tio de verdade apenas de consideração, e gostava de ficar brincando com seu cãozinho Ralph. Recordei-me de quando minha mãe me colocava para dormir, e da primeira vez que andei de bicicleta.

Todas essas lembranças eram felizes. Eu me via como expectadora da minha vida, e ver minha feliz infância me partiu o coração, pois me recordou todo amor que eu tinha pelos meus pais e eles por mim, mas que infelizmente eu não soube aproveitar esse amor nos últimos anos.

- Que comece o julgamento - uma voz forte me fez levantar a cabeça assustada.

Novamente uma luz forte me cegou por alguns instantes. Quando tornei a enxergar uma nova cena se formava a minha frente. Eu já não estava na imensidão branca.

- Helena Marie Morgan - disse uma voz suave - seu julgamento começa agora.

Eu vi então minha mãe, andando em direção ao centro do que parecia um auditório infinito, onde apenas o centro era visível. Todo o lado direito era branco e brilhava de forma intensa. O lado esquerdo era escuro e opaco como sombras ou trevas e dava calafrios só em olhar, minha mãe estava com roupas brancas, um vestido pra ser exata, ela seguia com a cabeça erguida, estava com o semblante sereno.

- Eu sou Helena Morgan - disse minha mãe - estou pronta para ser julgada de acordo com minhas ações. E aceito o veredito do grande Juiz.

E deu-se inicio ao julgamento. Eu queria correr para abraça-la, mas meu corpo não respondia e eu fiquei parada ali como uma mera expectadora. Ela olhou em volta e seus olhos passaram por mim, mas não me reconheceram, parecia que nem sequer me viu.

- Tragam os livros dos Atos- uma voz disse, era uma voz suave, melodiosa e eu senti uma alegria infinita, era a voz do grande Juiz.

Um ser luminoso se aproximou do centro do julgamento, esse ser não tinha forma exata, nem sexo. Era apenas um contorno brilhante, era um pouco mais alto que um humano e da parte de trás de seu corpo saiam feixes de luz formando o que pareciam asas. Em suas mãos estavam um livro branco e grande e brilhava levemente, estava aberto pela metade e escrito de um lado e branco do outro.

Do lado oposto ao ser de luz um ser feito de trevas também andava na direção de minha mãe, este tinha tentáculos de trevas que se desfazia nas extremidades como se evaporassem, assim como o primeiro ser, não tinha forma, nem sexo, e sua proximidade causava desespero. Ele trazia em suas mãos outro livro, este tinha a capa preta e parecia absorver a luz que tinha ao seu redor, também estava aberto como o outro livro e parecia aberto na mesma pagina que o livro branco. Um lado escrito e o outro sem palavras na folha negra.

Filhos de Abel (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora