Prólogo

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23 DE FEVEREIRO DE 1990

Subir e descer escadas, bater nas portas dos apartamentos e sair correndo; vagar pelos corredores, ninando a amiguinha de pano; escutar os ruídos do velho Hotel Web e dos vizinhos — tudo isso fazia parte de ótimas maneiras de se acabar com o tédio de uma garota de dez anos. A pequena Fátima Bock, segurando sua linda boneca, ziguezagueou mais uma vez pelo corredor do sexto andar.

— O Hotel Web é um imponente prédio de dez andares, construído em 1886 — a voz de Bill ecoou pela escada.

Fátima pôde ouvir o jovem guia Bill oferecer informações aos novos residentes. Um casal, aparentemente, simpático.

O trio chegou ao corredor. Bill carregava as malas do casal.

— Senhor e senhora Albuquerque... Sabiam que o arquiteto italiano, Franz Leornad de Betivolio, amigo fidedigno da família Sarutobe, esquematizou o projeto deste magnífico hotel em menos de um mês a pedido do patriarca da família?

O casal fitava o guia, os olhos brilhavam de entusiasmo. Fátima, atenta, assistia a cena de longe, fingindo brincar com sua boneca de pano.

— Queremos ver o nosso apartamento — pediu o casal. — Nosso filho estuda num colégio interno e, esse ano, vai passar as férias com a família, precisamos preparar o quarto dele.

— Claro, acompanhem-me — Bill fez um sinal, meneando a cabeça para o lado.

Fátima viu o trio desaparecer pela escada de acesso ao próximo andar. Olhou para a boneca de pano e sorriu.

— O que acha? Parecem boas pessoas, não é, Lola? Também acho. E o filho deles? Não me olhe assim, Lola. És uma boneca de pano muito ranzinza e ciumenta. Lola, eu só perguntei.

Ela permaneceu contemplativa, desejando que o filho dos novos moradores tivesse a mesma idade que ela para que pudessem brincar juntos pelo hotel, já que, às vezes, ela tinha medo de ficar brincando sozinha pelos corredores do Hotel Web.

— Tudo bem, eu sei que já tenho você. Mas você é muito medrosa, Lola. Gosto da sua companhia, mas, pense bem, um novo amigo para brincar seria bem legal, não acha? Pois é, foi isso o que quis dizer — disse ela para a boneca.

E repentinamente, a luz da lâmpada sobre sua cabeça começou a falhar. O ar a sua volta ficou pesado, dificultando a respiração de Fátima. Ela estancou, apertando sua boneca junto ao corpo. Fátima escutou alguém chamar seu nome. E a voz parecia emanar do interior do apartamento a sua frente, a pequena Fátima Bock estava diante do Apartamento nº 23.

Havia uma pequena placa na maçaneta, informando que o apartamento estava vago. Então, para a surpresa de Fátima, a maçaneta girou devagar e a porta abriu-se. Lola, a boneca, ficou gelada.

— Calma. Não é nada — disse Fátima.

Ouviu alguém chamar novamente. E, motivada pela curiosidade instintiva, mas ainda apertando a boneca junto ao corpo, ela entrou.

Escuridão. Só escuridão. Era tudo o que Fátima conseguia ver.

Nada mais que a escuridão.

— Tem alguém aqui? — gaguejou. 

Ela sentiu algo se aproximar do seu ouvido e dizer: "Eu quero brincar...!"

A pequena Fátima Bock gritou.

E a porta do Apartamento nº 23 fechou-se com força.

Apartamento 23Onde histórias criam vida. Descubra agora