Capítulo Um

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A verdade era que não morava ninguém no nº 23... O Hotel Web, inaugurado em 1886, era um dos mais antigos hotéis da cidade e, porque não, do estado da Bahia com sua construção em estilo renascentista e sua fachada de tijolos vermelhos. De longe, bonito de se ver — uma estrutura colossal, detalhado de cima a baixo —, aproximando-se e visualizando seu interior se via a desgraça decrépita com suas rachaduras, mofo em alguns cantos, infiltração e escadas rangendo. Mesmo velho, o Hotel Web tinha seu glamour.

Cada apartamento tinha aproximadamente 46m² e os móveis eram antiquados, mas tudo no hotel tinha um charme... Dos 32 apartamentos que constituíam o Hotel Web, apenas um continuava vago — indisponível, é a palavra correta. Tal situação resultava-se do fato de boatos, histórias nada agradáveis, estarem circulando de boca em boca entre os moradores do hotel sobre um determinado apartamento no sexto andar. O apartamento nº 23.

2

DIAS ATUAIS

— Realmente há alguma coisa de estranho naquelas paredes — cochichou o porteiro.

— Não é só no nº 23. O hotel todo — contou a Sra. Oxford.

— Pra mim deveriam derrubar aquele apartamento — ponderou a Srta. Cely.

— Impossível — gaguejou o Sr. Nagaski, síndico do hotel. — Meu avô é um conservador. Ele não vai admitir nem um tipo de modificação na planta original do prédio. Além do mais, ele quer entrar para a História como o titular do hotel mais antigo e conservado do estado. Pense só, podemos até aparecer nos jornais...

— Pelo amor de Deus, eu só não quero aparecer nas páginas de obituário da semana que vem — informou a Srta. Cely. — Ora, de resto, tanto faz. Minha única preocupação é com minha filha e, claro, com as outras crianças que residem aqui no hotel. E se por acidente, como ocorreu alguns anos atrás, outra criança adentre o apartamento nº 23. Oh, céus... Não quero nem imaginar.

O porteiro pigarreou. — Sem falar no último morador. Até hoje me recordo do sangue... E pensar que ele vez tudo aquilo com uma simples faca de mesa.

— E os casos anteriores? — interveio a Sra. Oxford, atônita. — Quando eu era pequena, antes de dormir, minha falecida mãe me contava histórias terríveis sobre o apartamento. Uma das faxineiras do hotel pegou a chave do nº 23 na recepção para fazer uma limpeza de rotina, ficou apenas dez minutos lá dentro e quando saiu estava totalmente alienada.

— Parem com isso já — gritou o síndico, cético. — Coloquem uma coisa na cabeça de vocês, também aproveitem para informar isso aos outros moradores, não há nada de errado no apartamento nº 23. Desde que assumi meu posto de síndico, nada ocorreu no nº 23, então não vejo motivo para tanta balbúrdia.

Fez-se silêncio por alguns segundos.

— Entretanto — continuou o síndico —, vocês estão a mais tempo no hotel, além do mais, já faz algum tempo que ninguém se hospeda no nº 23, então levarei em conta a palavra de vocês. A partir de hoje ninguém entra mais lá... — E um tanto irônico, prosseguiu — E só por precaução, para que nenhum desavisado entre lá, eu serei o único a ter a chave do abominável apartamento nº 23.

3

O Sr. Nagaski Sarutobe (viúvo), 45 anos, cabelo grisalho, era um japonês com sotaque de americano, que falava português fluentemente. Nascido no Japão, criado nos Estados Unidos da America, e escolhido por seu avô para cuidar da única e decrépita herança da família Sarutobe. O Hotel Web.

Naquela noite, como prometido, o Sr. Nagaski levou a chave do nº 23 para o interior de sua morada — o apartamento nº 13, no fim do corredor do terceiro andar. A chave do apart. nº 23 era pesada e, feita de cobre e banhada com tinta amarelo-ouro, apresentava sinais de ferrugem. O número do apartamento estava visivelmente entalhado na base da chave. Nada de anormal. A chave era igual a qualquer outra chave no Hotel Web.

— Idiotice... É só mais um apartamento como outro qualquer — murmurou o síndico, risonho. — Esses moradores... Medrosos!

Antes de dormir, o Sr. Nagaski, pôs a chave sobre o criado-mudo ao lado de sua cama. Amanhã encontro um lugar para guardá-la, pensou o síndico ao bocejar.

Ao socar o travesseiro e acomodar-se, ele apagou a luz do antiquado abajur e ficou observando o pedaço brilhante de cobre sobre o criado-mudo e, logo, adormeceu pensando: São realmente uns medrosos!

Estranhamente, em todos esses anos, o Sr. Nagaski jamais teve insônia, entretanto, naquela noite ele não conseguiu dormir. Toda vez que cerrava os olhos para se entregar ao sono um pesadelo o consumia. Um pesadelo terrível e intenso.

Tão real. Vivo. Sangrento. Horripilante.

Era automático.

Fechava os olhos e então... O Sr. Nagaski tinha uma morte apavorante. Quando não suportava mais o sofrimento, ele implorava para despertar. Acordado, ainda com a adrenalina pulsando pelo corpo, tentava não pensar no pesadelo e, naturalmente, quando se acalmava, suas pálpebras ficavam pesadas e se fechavam...

E o pesadelo recomeçava.

O Sr. Nagaski morria com um tiro de escopeta na cabeça. O Sr. Nagaski sofria até a morte, mutilado por um bisturi. O Sr. Nagaski viu-se vomitar os próprios órgãos. O Sr. Nagaski acordou ofegante, às 23h32min, suando frio.

E jamais voltou a dormir.

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⏰ Última atualização: Sep 08, 2015 ⏰

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