A rua estreita era de paralelepípedos, o sapato de salto da enfermeira fazia um toc toc nas pedras enquanto a batina do velho padre se arrastava carregando a sujeira da estrada. Os postes iluminavam fracamente, uma luz alaranjada que mais escondia do que clareava.
Os dois pararam em frente ao pequeno prédio de três andares que parecia prestes a cair, bem como todos os outros em toda a extensão da rua, e tocaram o interfone do apartamento de número 5.
Primeiro a estática e então uma voz feminina alarmada respondeu.
- Quem é?
- Padre Choenstat. – respondeu o homem se aproximando do aparelho.
Novamente silêncio e a mulher do outro lado desligou.
Não passou nem um minuto e a porta de madeira ecoou com vários clics e rangeu sinistramente ao ser aberta.
Do outro lado, uma mulher olhava assustada para o padre e a enfermeira no exterior. Ela tinha marcas pelo rosto, arranhões e hematomas enormes que a deixava praticamente desfigurada. Essa imagem não condizia com o que outrora fora aquela mulher, que, apesar de simples, sempre fora trabalhadora e lutara para conseguir comprar o apartamento ainda que em um bairro ruim.
Ainda em silêncio ela abriu caminho e acenou para que os dois entrassem em seguida fechou a porta rapidamente como se tentando evitar que mais alguém passasse.
À frente havia uma escadaria, a qual eles subiram até o segundo andar, passando por diversos apartamentos, para chegarem no número 5.
A porta estava entreaberta e quando a dona a abriu o fedor logo invadiu as narinas do padre e da enfermeira, que, por sua vez, retirou rapidamente um lenço de um bolso e escondeu o nariz para evitar o cheiro da morte.
- Não faça isso – alertou o padre, sua voz seca e fria – Ou não irá se acostumar com os cheiros piores que estão por vir. O inferno não cheira nada bem, querida.
- Sim, senhor. – respondeu ela, guardando o lenço novamente e tentando disfarçar o pânico em sua voz e em seu rosto.
O interior do apartamento estava parcialmente destruído, uma Tv no chão, bem como pratos e copos estilhaçados por toda parte. A lâmpada piscava ininterruptamente e havia um forte tremor no crucifixo que pendia em uma das paredes.
- Onde ele está? – perguntou o padre, agora direcionado à outra mulher, que parecia ter lágrimas nos olhos negros.
- No quarto. – respondeu ela – Amarrado. Como um animal.
- Ele não é um animal, mas também não é mais seu filho, senhora. Agora pegue uma bíblia...
- Eu não tenho nenhuma.
- Deveria ter. Enfermeira Crouch, pegue uma bíblia em minha maleta, por favor. Aliás, pegue duas. A senhora deveria ter uma em mãos também.
Sem demora a enfermeira o fez, tirando duas bíblias do interior da maleta que carregava e dando uma a mulher e segurando a outra em um aperto.
- Me leve até ele. – Concluiu o padre – E preparem-se para o pior.
Lentamente, quase hesitante, a mulher foi caminhando à frente deles. Entrou em um estreito corredor e parou diante de uma porta que tremia ainda mais que o crucifixo e estava cheia pequenos buracos que deixavam vazar uma pequena luminosidade do interior do recinto.
