- Você não pode dizer que a humanidade está perdida e depois ir pra casa dormir como se tudo fosse normal.
Foi isso o que ele me dizia enquanto nos sentavamos um de frente para o outro numa mesa no fim da cafeteria. Ele tinha pedido um café e eu, um suco de marácuja.
A verdade é que eu odeio café. Nada contra quem gosta, mas é que eu geralmente prefiro algo com um gosto melhor do que o de terra (eu nunca comi terra mas anos o que café tem o mesmo gosto).
Sabe aquelas pessoas que se destacam por sempre tomar a frente de tudo e falar com qualquer pessoa como se fosse um amigo intímo, mesmo acabando de conhecer? Esse era ele.
Agora, sabe aquelas outras pessoas que você nem sabia que estavam no mesmo lugar que você, porque elas não abrem a boca pra falar nada? Essa era eu, basicamente. Sempre com respostas curtas.
Não que eu estivesse querendo ignorar ele, porque eu não estava. O problema é que existe gente que nasceu pra ficar em cima do palco. Eu nasci pra ser apenas platéia.
- Ta bom, temos duas suposições: ou eu falo muito e sou insuportável ou você é tímida e eu sou insuportável.
Sorri antes de tomar um galeria do meu suco, tentando ganhar tempo de arrumar uma resposta decente.
- Você não é insuportável. É que eu sou calada mesmo sabe? Acho que gosto mais de observar as coisas.
- Então, poderia me dizer o que você está observando agora?
Olhei bem para ele. Eu poderia dizer que a gola da sua camisa estava amassada. Poderia dizer que a covinha que só aparecia no lado esquerdo da sua bochecha era adorável. Poderia dizer que ele tem um tique de bater os dedos na mesa duas vezes por minuto.
Mas é claro que eu não disse.
- Nada demais.
Continuamos sentados conversando - ou o mais perto disso -, sobre um assunto qualquer enquanto o tempo passava por nós. Quando ele anunciou que ia embora e pediu meu número de telefone, eu cogitei em passar pra ele.
Mas ai eu lembrei da palestra. Eu nos vi como mais dois jovens que se comunicam apenas por mensagens e nunca mais voltam à se encontrar porque nunca tem tempo. Então eu disse que não tinha e não sei bem se ele acreditou, já que a única coisa que fez foi sorrir.
- Tudo bem. E a propósito, meu nome é Pedro.
- A gente se vê por aí, Pedro.
- Espero que sim.
Naquele dia eu não pensei em mais nada, só fiquei o vendo se distanciar. Mal sabia eu que nos veríamos mais rápido do que eu imaginava.
