Tomei meu café e sai, percorri a cidade inteira. Já estava com 16 anos e achei que seria mais fácil encontrar um lugar onde pudesse trabalhar. Mas me enganei, voltei para casa no fim da tarde, estava exausta. Abri a porta e senti o aconchego de casa, coloquei minhas coisas no sofá e fui para meu quarto. Meu padastro Richard, ainda estava no trabalho. Minha mãe arrumava algumas roupas, quando eu passei por ela.
- Maureen, e então... Como foi? - Perguntou ela. Notei em sua voz fraca que algo estava errado, ela estava de costas pra mim, como se tentasse esconder algo.
- Não consegui encontrar nada, mas amanhã sairei de novo. - Disse à ela. Notei falta de Dalence, então perguntei por ela.
- Não sei onde ela se meteu. - Respondeu minha mãe ainda estranha.
- O que há de errado? - Disse a puxando, foi quando vi o hematoma em torno de seu olho direito.
- Ele te bateu de novo!? - Disse com muita raiva examinando seu olho.
- Não foi nada de mais. - Ela tentou argumentar. Senti meu sangue ferver, ele sempre batia nela e ela nunca fazia nada, nunca deixava eu fazer nada. Apesar de que não tínhamos muito o que fazer, ela não o denunciava e nem se separava dele por causa da Dalence. Ela se culpa por eu ter crescido sem pai, e não quer que ocorra com Dalance tendo uma chance de manter ele aqui.
- Como não foi nada de mais!? Ele não pode ficar fazendo isso com vo... - Fui interrompida pela voz de Dalence chamando.
- May, feliz aniversário... - Ela disse tímida carregando um pequeno bolo em suas mãos, ela o estendeu para que eu o pegasse. No mesmo instante esqueci temporariamente o ocorrido com minha mãe, peguei o bolo coloquei em cima da mesa, abracei Dalence, tudo isso já com lágrimas no rosto.
- Obrigada. - Não consegui dizer mais nada, apenas a abracei mais forte acariciando seus fios de ouro. me levantei, virei-me e vi que minha mãe estava chorando, ela ajudara Dalence na confecção do bolo. A abracei forte também.
- Eu vou tirar a gente daqui, custe o que custar, ta bom? - Falei como um sussurro. Ela assentiu com a cabeça. Foi a melhor noite da minha vida, ríamos de qualquer coisa, tudo na verdade. Estava feliz, estava com minha família. Gostaria que meu pai estivesse aqui...
Minha mãe se levantou da mesa repentinamente e foi em direção ao seu quarto. Dalence e eu a seguimos, a vimos se abaixando para pegar algo em baixo da cama, era pesado, fazia barulhos desagradáveis aos ouvidos ao ser puxado. Era um antigo baú, o baú de meu pai. Após ela ter retirado o objeto debaixo da cama, virou-se pra mim dizendo:
- Maureen, aqui está algumas das coisas que guardei que pertenciam ao seu pai. Nunca havia lhe mostrado, por medo de fazê-la sofrer, mas, agora é seu. Sei que sente falta dele e que a cada dia menas lembranças aparecem. Esse é meu presente para você, feliz aniversário filha. - Sem responder me ajoelhei em frente ao baú, passei a mão para limpar a poeira que revelou um relevo na tampa, parecia um escudo. Foi então que lembrei que ele trabalhava no exército, e que saiu para uma missão e nunca mais voltara. Ele partiu a 8 anos atrás, eu tinha 8 anos. Lembro bastante dele, seus cabelos negros, ombros largos, boa pinta. Um lindo sorriso, e seus olhos verdes. Lembro da maneira que eles se acendiam mesmo no escuro. Sua barba por fazer, suas mães delicadas que carregavam o mundo, lembro de suas histórias e de como nossa vida era melhor. Então ele se foi...
Abri o baú e a primeira coisa que vi foi sua plaqueta de identificação, nela estava escrito "David Elliott. Tel. Tipo sanguíneo." Revirei mais algumas coisas e encontrei uma foto, era do casamento de meus pais. Atrás da foto dizia "Para minha amada Ellen Nichols. Saiba que a cada dia nos casaremos de novo, apenas com nossos olhares se encontrando em todas manhãs. Até quando eles não se encontrarem mais. Ainda assim, estarei com você, a amando, dia após dia. Te amo querida - David".
Novamente mais lágrimas se derramavam, revirei mais as coisas e encontrei álbuns de fotos, discos e alguns documentos. Então em uma compartição do baú encontrei um envelope vermelho, era chamativo, o peguei, vi o remetente: "De: seu querido e grande pai. Para: Maureen Nichols." O abri imediatamente, era uma carta, uma extensa carta, que eu deveria ler sozinha e sabia disso. Pedi com licença para minha mãe e Dalence e fui para meu quarto. Deitei sobre minha chama com as costas voltadas à parede. Abri o envelope novamente, vi o amarelo de uma folha velha, mas ainda assim legível. Minhas mãos estavam tremulas, mal conseguia segurar a folha. Então comecei a ler...
"Olá filha, primeiramente feliz aniversário. Não sei bem como começar isso, bom provavelmente se você estiver lendo essa carta eu já não estarei mais ao seu lado, e me desculpe por isso. Hoje você completa 16 anos, quem diria? Parabéns, é meio estranho te escrever essa carta sendo que você está aqui tentando roubar minha caneta. Filha, eu espero que você tenha se tornado uma boa mulher, e se eu não estiver junto de você e sua mãe, por favor cuide dela e não desista de seus sonhos. Lembre-se que temos apenas um caminho a seguir, então tome as decisões com cautela. E escolha com sabedoria, cada passo que você dar, lhe fará alguém. Construirá você. Quero te ver lá de cima e ter orgulho de você, olhar para minha pequena Maureen e ver que ela é uma mulher responsável. Filha, se eu não estiver aí e as coisas estiverem difíceis, lute. Nunca te ensinei a desistir, tenha coragem, pois a vida é apenas uma rasura e os traços do desenho quem forma somos nós. Eu te amo, e não importa aonde eu esteja, se sobrevoando os céus, navegando pelo mar, combatendo pela terra. Meu amor ainda te alcançará. Porque para ele não existe limites, nem além da vida. Pois continuamos amando aqueles que nos são importantes. Não quero lhe fazer chorar, apesar de eu mesmo estar chorando só de imaginar não acompanhar seu crescimento e ajudar na sua caminhada. Bom, transcrevi meus pensamentos, espero que nunca leia está carta. Mas de qualquer forma, se ler... Saiba que depois da noite, depois da chuva. Sempre vem o dia, o sol torna a brilhar. A vida tem término, mas eu ainda irei te amar. De: David Elliot"
Estava sem reação, eu não conseguia chorar, nem sorrir. Estava sendo impactada contra mim mesma e o amor de meu pai. Ponderava sobre a carta, então me abracei segurando a carta contra meu peito. Ele estava ali, de alguma maneira, estava.
Escutei o barulho da porta da frente bater. Era Richard chegando. Minha mãe, Dalance e eu tínhamos comido todo o bolo antes dele chegar, provavelmente ele brigaria conosco por termos gastado dinheiro em vão. Após alguns minutos sai do quarto, Richard estava no banho, minha mãe estava ajudando Dalence com os trabalhos da escola. Fui até o quarto de minha mãe, peguei o baú e o arrastei até meu quarto. Estava decidida, peguei uma mochila e uma mala. Reuni várias das minhas roupas, as dobrei de forma que ficassem bem pequenas e ocupassem pouco espaço e distribui entre a mochila e a mala.
- May, o que está fazendo? - Perguntou Dalence de súbito. Levei um susto, virei-me e respondi.
- Meu quarto estava uma bagunça, precisava ajeitá-lo, quer alguma coisa cachinhos de ouro? - Respondi calmamente.
- Só vim te dar boa noite, já estou indo deitar. - Disse ela. Olhei para as malas, voltei a olhar pra ela e disse.
- Ok, tudo bem, esta na hora de você dormir mesmo, hoje eu te levo pra cama ok? - Disse com amargura. Ela assentiu. Levei ela até seu quarto, sentei aos pés da cama enquanto ela se ajeitava.
- Porque está me colocando pra dormir May? Você não costuma fazer isso. - Ela questionou.
- Sua irmã mais velha não pode te colocar mais pra dormir? - Perguntei fazendo cócegas nos seus pés. (risos)
- Pode sim. - Ela disse já se virando para o lado.
- Dalence, quero que saiba que eu te amo muito, e você é forte. É uma irmã que todo mundo gostaria de ter, se um dia eu não estiver aqui, apenas acredite em mim. As coisas vão melhorar tudo bem?
- May, porque está dizendo essas coisas?
- Nada, agora durma. - Respondi por fim. Ela levantou me abraçou, disse que também me amava e que eu era a melhor irmã do mundo, voltou a deitar e dentro de alguns minutos dormiu.
Voltei ao meu quarto, terminei de arrumar minhas roupas, fui até a cozinha separei alguns pães, bolachas, garrafas com água e cereais. Arrumei dentro da mochila, peguei um edredom e coloquei na mala, junto com um casaco. Abri o baú de meu pai e coloquei sua plaqueta de identificação, a usaria como colar e ele estaria sempre comigo. Uma rápida olhada no espelho e um último suspiro antes do grande plano mirabolante. Os olhos brilhavam na baixa luminosidade. Eu tinha os olhos dele. Peguei um pedaço de papel e escrevi um bilhete para minha mãe."Eu volto, eu prometo. Cuide da Dalence, se cuide. Se eu ficar, nada nunca vai mudar. Eu preciso ir. Eu preciso lutar por nós, preciso fazer os traços e desfazer o esboço. Amo vocês! Até logo."
Deixei debaixo do bule acima da mesa, ela certamente veria. Rumo a uma suposta vida melhor, ainda não sabia bem o que queria encontrar lá fora, mas prometi a mim mesma não regressar enquanto não houvesse uma resposta. Com a mão na maçaneta a giro lentamente para fazer o menor ruído possível. Destranco a porta, a abro, tranco por fora e devolvo a chave por debaixo da porta. Me viro e vejo apenas penumbra, entre luz fracas de postes com a imensa noite. Vejo a hora em um antigo relógio de meu pai que incrivelmente ainda funcionava. Eram 00:28. a cerca de 3 quarteirões tem uma praça. Deve ser suficiente por hora. Cheguei na praça às 00:43. Estava muito frio. Deitei-me sobre um banco, arrumei a mala como travesseiro e coloquei a mochila contra mim e o banco, caso alguém tentasse pegar eu sentiria. Me cobri com o edredom. Olhei para o céu, havia tantas estrelas. Fui privilegiada por não estar nublado. O vento cantava sobre o topo das árvores. Meus lábios congelavam. Pequei na plaqueta sobre o peito, olhei novamente ao céu e disse.
- Boa noite pai, boa noite mãe, boa noite Dalence. Amo vocês. - Dentro de alguns minutos, com turbilhões de pensamentos na cabeça, adormeci.
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Colisão
Novela JuvenilNossa vida é feita de escolhas. Cada uma delas com um efeito colateral. Não importa se o que você escolhe é o certo ou o errado, sempre trará consequências. Boas ou más... Qual será a sua?