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Eu lembro perfeitamente daquele dia, estava sol e nós tínhamos passado o dia todo na praia. À tarde, depois do almoço, meu pai entrou em nosso quarto falando que a mamãe tinha ido embora. Eu tinha oito anos e Mia tinha seis. Nós duas começamos a chorar, e ele nos consolou falando que mamãe tinha seguido seu caminho, e nós deveríamos fazer o mesmo. 

Depois daí nós tentamos seguir nossas vidas o mais normal possível. Tinha dias que eu acordava de madrugada com pesadelo, e via o papai na sala chorando. Na maioria das vezes eu ia até ele e o abraçava, e quando eu acordava, eu já estava na cama. Pra Mia foi menos difícil, ela sentiu saudades da mãe no início, mas depois, ela se acostumou. Com o tempo eu também me acostumei, mas meu pai não... Nunca.

Desde o momento em que eu conheci Beatriz eu descobri uma inquietação nova no peito. Vocês podem me chamar de maluca e tudo mais, só que nos momentos em que estávamos juntas, eu desejava que ela fosse minha mãe.

Mas você estava mandando ela pra puta que pariu há alguns minutos. Eu tenho meus motivos.

Eu vivi uma vida de mentiras por anos. Como vocês esperavam que eu reagisse? Oi mamãe, que bom que você não morreu, vamos almoçar juntas amanhã? É claro que isso não ia rolar.

Eu entendo em partes os motivos do meu pai ter mentido. Deve ser muito difícil ser traído pela pessoa que você ama, mas ele não podia ter omitido isso da gente. Nós crescemos achando que a vida era só nós três, e agora acabamos de descobrir que são quatro. Eu estou muito feliz em saber que tenho mãe, mas vocês conseguem entender quão louco é isso tudo?

Eu precisei sair daquele show de horrores que se encontrava minha casa. Eu estava me sentindo no programa Casos de Família, consigo até imaginar a Christina Rocha colocando na tela o tema da noite "Mãe ressurge dos mortos, e pai chifrudo quer que ela volte.". Com certeza minha carreira iria bombar depois dessa notícia.

Meu celular não para de apitar de jeito nenhum. Todas as ligações perdidas são do meu pai, e tem uma de Benjamin. Eu saí de casa pedindo que ele me deixasse sozinha, e ele respeitou. Eu deixei Mia com Nero aos prantos. Eu vou consolar minha irmã em algumas horas, mas agora preciso esfriar minha cabeça. Eu só consigo pensar direito no palco. Aqui é o meu santuário. A chave do teatro fica na administração da faculdade, e como eu sou conhecida aqui, eles não se opõem em me emprestar.

Agora eu estou deitada no meio do palco, olhando para o teto. Nada consegue me relaxar mais do que estar aqui. Eu consigo esquecer-me de todos os problemas lá fora, clichê, mas é verdade. Eu fecho os olhos e penso na noite de hoje. 

Mereço esse castigo todo Deus? 

O holofote do meio do palco se acende, e eu me sento rígida no palco.

Isso foi Deus me respondendo?

Eu levanto e tento enxergar quem foi o infeliz que ligou a luz, mas então vejo uma sombra muito familiar descendo as escadas e vindo em minha direção. Eu não falo nada, e no momento em que Benjamin sobe no palco, ele me abraça e eu começo a chorar. Ele sussurra em meu ouvido que tudo vai ficar bem, e que vai passar. Eu quero tanto acreditar nele.

Eu me afasto do seu abraço, ele leva suas mãos ao meu rosto levantando minha cabeça, e seca minhas lágrimas.

— Não chora amor.

Eu dou um sorriso triste e ele me dá um selinho.

— Eu avisei que queria ficar sozinha. — eu falo, mas volto a abraça-lo.

É tão bom te ter aqui, Benjamin.

— Eu prometi que nunca mais ia te soltar, e eu cumpro minhas promessas.

Entregando-MeOnde histórias criam vida. Descubra agora