"Salvo por uma cama"

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Uma das maiores catástrofes marítimas que conhecemos hoje envolveu o nome de Deus. Eu não tenho uma certeza absoluta de que Deus exista ou ao menos se importe comigo (ninguém tem). Só acho que ele devia deixar a galera se acordar mais tarde nas segundas feiras. Sei lá... Uma aula de "história" ou "matemática" a menos, não faz diferença. Naquele exato dia, as 6 horas e meia da manhã, admito que culpei Deus pela noite ter passado tão depressa.

- Daniel, A gente vai se atrasar!!

- Aaaaah nãaao mano... Tá de sacanagem comigo que já tá na hora... (falei sussurrando)

- DESCE LOGO DESSE QUARTO!! (Essa é a minha mãe, toda segunda de manhã)

Resumindo mais ou menos meia hora: Desci as escadas. Banho. Roupa. Café. Mochila. Ônibus. Escola. Eu realmente, realmente, realmente odiava acordar cedo. Mas as vezes, as possibilidades de algo que é ruim se tornar pior dão um jeito de triplicar. Entro na sala 40 minutos depois do toque. Primeira aula: Física. O que não era comum, mas entendi que o horário mudou de novo. E no dia mais odiável da semana, era justo, pra o destino, que eu também tivesse aulas da matéria mais odiável, com o professor que mais me odeia: Rodrigo Siqueira.

- Qual o motivo do atraso?
- An?
- Perguntei: "Qual o motivo do atraso?"
- Meu gato comeu meu despertador de novo.

*Todos da sala riram. Menos o Sr.Siqueira*

- Menos 0,5 por atraso sem justificativa. E menos 0,5 pela brincadeira sem graça.

- Belezinha. Valeu.

Eu sei que é BEM difícil de acreditar em algo do tipo. Mas meu gato tem sérios problemas com aparelhos eletrônicos e principalmente relógios e despertadores. E o despertador do meu celular é horrível (volume baixo). Acho que a justificativa não foi muito útil pra o professor, já que perdi meio ponto.
Uma hora e meia depois, finalmente tivemos um intervalo.

- Você pode ir ou não?
- Acho que posso (eu disse).

A ideia era um campeonato de videogame, na casa do meu amigo Lucas. Minha mãe sempre foi meio (muito) chata com isso de me deixar sair a noite. Mas ela ficou mais "legal" depois que fiz 17. Acho que quase todo filho com seus 15-17 anos possui o super poder de reclamar dos mil e um defeitos dos seus pais.
O resto da manhã foi monótona como toda segunda sempre foi. A tarde, saí, pra comprar pão. Quem não gosta de pão? Todo mundo adora pão. Pão pão pão.

- Dois "real" de pão.

Já estava na metade do caminho de volta pra casa quando fui surpreendido por dois garotos da minha idade em uma moto. Um deles, que pilotava a moto, apontou a pistola pra mim, enquanto o outro puxou uma faca caseira (daquelas grandes) do seu bolso.

- Bora muleque, passa o celular!!
- Eu não tou com ele aqui.
- "Comé"? Tá zuando com a minha cara, babaca?

Eu não consigo entender porque sempre acontece comigo essas coisas. E pra piorar, eu não tava com o celular no bolso.

- Cara, eu tô falando a verdade. Deixei em casa. Pode olhar se quiser.
- É? E o que é isso no teu bolso?

Olhei para o meu bolso direito e vi um volume retangular. "Merda". Acidentalmente levei o celular no bolso pra padaria.

- Desculpa, pensei que ele tava em casa! Desculpa!
- Ah é otário...? Vou te mostrar o que acontece com quem mente pro Magão!

Acho que com "Magão" ele estava se referindo a ele mesmo. No exato momento que pude perceber que ele puxou o lacre de segurança da pistola e estava a milésimos de segundo de puxar o gatilho, ali mesmo, no meio da rua, fechei os olhos para me permitir refletir sobre tudo e todos. É verdade o que dizem! Nos últimos momentos da sua vida, você pode ver, ouvir e sentir cada momento que você viveu (pelo menos os "bons" momentos). Minha vida não era lá essas coisas. Eu era o garoto mais zuado da escola por ter sido "friendzonado" por uma garota que naquele momento era traída por um garoto do 3° ano B. Eu não era tão inteligente. Não sabia fazer nada "fora do normal". Taí. Essa era minha definição a milímetros da morte: "Comum". Em meio a um turbilhão de pensamentos, imaginei em como queria um beijo daquela garota antes que o meu fim chegasse de um jeito tão estúpido (mesmo com tudo que ela fez comigo). Imaginei como seria estar no quarto dela, deitado na cama dela - Com ela nos meus braços claro. Foi quando algo COMPLETAMENTE fora do comum aconteceu. No momento em que restavam poucos centímetros entre o gatilho da arma e o dedo do assaltante ouvi um estrondo do tipo "BOOOM!" (totalmente diferente da onomatopeia "PÁ" relacionada a tiros) e abri os olhos. Foi quando vi a cena mais sem sentido de toda a minha vida: Uma cama, com lençóis cor de rosa, travesseiros aparentemente macios e bichos de pelúcia que ficaram espalhados pela calçada. E embaixo da cama (relembrando: Eu estava no meio da rua), pra minha surpresa, vi uma moto e em seguida uma mão segurando uma pistola 9mm. Foi quando o "ajudante" do assaltante gritou:

- QUE PORRA É ESSA?!??!

Enquanto o segundo assaltante (o da faca) tirava um "Magão" desmaiado debaixo da cama, notei que ainda estava com os braços pra cima na calçada assistindo tudo aquilo. Em seguida notei que ele era um pouco gordo e meus pensamentos seguiram essa ordem: "MAS QUE MERDA FOI ESSA?!? Eu ainda tô VIVO?? Aquele é o ladrão? Espera, esse cara nem tá lembrando que eu tou aqui? Tem um terreno com um muro que dá pra pular naquela rua lá perto de casa. 3... 2... 1... FALOUWS!!!" Corri como se houvessem 10 pitbulls famintos atrás de mim. Pulei o muro do terreno, e pra minha sorte, não fui alcançado pelo ladrão. Respirei normalmente, pela primeira vez dentro de 10 minutos.

- Certo... Vamo lá. Beleza. Era pra eu ter levado um tiro de um cara puto da vida. Não morri porque uma cama (com ursos de pelúcia e tudo) caiu do céu na cabeça dele e por isso ele desmaiou. Uma cama... Que caiu do céu... Exatamente na cabeça do cara... Pqp. Que merda foi essa?

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