"Aquela garota na janela"

40 3 6
                                    


- Eu desejo um chocolate com recheio de morango. Certo, comida não vai ser problema daqui pra frente. Eu desejo estar no banheiro. "Nope". Nada de teletransporte. Eu desejo ter asas. Pelo visto, nada relacionado a modificações no corpo humano.

Depois do incidente com uma multidão pelada correndo atrás de mim, tive certeza: "Tenho poderes". No geral, eles se resumiam a "criar coisas" e "ter sorte" (não que isso seja um "poder", só sorte, como o próprio nome diz).
Assim que cheguei da escola, como se nada houvesse acontecido, tranquei meu quarto, e testei ao máximo minhas novas habilidades. Entendi o seguinte: "Posso criar qualquer coisa, desde que eu consiga imaginar o que quero criar. Não posso criar nada biológico. Tenho que fechar os olhos para poder criar alguma coisa. Tem um cara maluco que me salvou (voltando no tempo ou algo do tipo) e agora vai tentar me matar. Se eu quiser sobreviver devo treinar ao máximo. Me tornar o melhor entre os jogadores. E por fim, usar meus poderes para realizar meu sonho. Ou viro um herói sendo o melhor, ou morro sendo um garoto comum".

- A janta tá na mesa!
- Já vou!

Admito... Mais do que nunca, naquele momento sentia medo de ser assassinado por qualquer "cara-puto-da-vida-fuck-it-all" que estivesse atrás de mim. Precisava me preparar. Aprender a me defender. E acima de tudo... Estar atento para não ser surpreendido.
Depois de jantar, comecei a preparar meu quarto, com a ajuda dos meus novos poderes, para o caso de qualquer imprevisto noturno.

- Sensor de movimento. Porta com fechadura eletrônica. Ratoeiras. Desert eagle. Noossa... Eu sempre quis ter uma arma dessa. Corda. Granada. Agora vamos testar o que eu estava planejando: Robô. Deu certo!

Consegui imaginar um robô com cérebro eletrônico e aparência idêntica a minha.

- Olá, senhor Daniel.
- Wow... Esse treco me assusta.
- Treco pede perdão por assustar o senhor.
- Treco?
- Sim, senhor?
- Não... Tipo... Não foi que eu quis dizer... Tá, tudo bem. Deixa pra lá.
- Sim, senhor.
- Quero que me proteja tudo bem? Se alguém entrar neste quarto sem a minha permissão me proteja e me acorde. Entendeu?
- Sim, senhor.

Ele bateu continência.

- Ok. Espero que funcione. Acho que já vou dormir então. Boa noite... Treco.
- Boa noite senhor.
- Me chama de Daniel.
- Boa noite senhor Daniel.
- Tá, esquece. Desisto. Boa noite.
- Boa noite senhor Daniel.
- ...

Depois de um bom tempo deitado em silêncio, consegui me livrar da tensão e relaxar. Sem dúvidas... Essa seria a fase mais estranha da minha vida. Poderia ser a melhor ou a pior. Tudo dependia de mim. E como um bom jogador, prometi a mim mesmo não perder esse jogo. Lembro de que a última coisa que vi foi o "Treco" olhando pela Janela. Imaginei se ele era capaz de ter pensamentos assim como eu. "Pensar é o mesmo que imaginar?" Se sim... Meus pensamentos se tornaram minha melhor defesa contra o mundo e minha maior chance de realizar meu sonho que antes era impossível. Por fim, adormeci. Sonhei com alguém que eu não conhecia. Um garoto aparentemente mais novo que eu. Olhos da cor de gelo. Tão azuis que se tornavam brancos. Eu via a frieza nos seus olhos. Eu sentia. Olhos que possuíam intenções assassinas. Senti como se a qualquer momento eu pudesse ser morto. Senti um medo absurdo. Tentei imaginar algo para me defender mas não pude. Não podia nem mesmo organizar meus pensamentos. Ele sorriu, como uma serpente prestes a devorar a presa. E pude ouvir o garoto me dizer, mesmo sem abrir os lábios: "Você tem pouco tempo. Logo logo eles eliminarão os mais fracos e eu deveria fazer o mesmo. Mas eu gosto dos seus sonhos". Me senti como uma estátua. Senti medo da morte. Era como se minha alma estivesse sendo tirada do meu corpo aos poucos. Agonia. Tensão. Aqueles olhos estavam me matando psicologicamente. Ouvi uma voz eletrônica em um lugar distante. Não era o garoto. Aos poucos abri os olhos

- Senhor... Senhor... É certo bater em garotas?
- An? Treco? Por que me acordou?
- A garota na janela me disse que era errado bater em garotas. E eu concordo com ela. Então não sabia o que fazer senhor. Eu devo lhe defender mesmo indo contra a moral da sociedade contemporânea?
- QUEM É VOCÊ?!?

Olhei pra janela do quarto e vi que eu não estava sozinho. Mesmo com todo o sistema de segurança alguém conseguiu me surpreender. Pela silhueta no escuro do quarto vi que era uma garota. Aparentemente uma adolescente. E não olhava pra mim, mas olhava pra lua. Peguei a pistola que estava escondida debaixo do travesseiro e mirei nela.

- Eu não vou perguntar mais de uma vez: Quem é você?!
- Ei... Percebeu?
- O quê?
- A lua tá linda hoje. Tão "kawai".
- QUEM DIABOS É VOCÊ?!?!
- Caalma... Sua mãe acabou de acordar com essa gritaria.
- An?
- DANIEL TÁ TUDO BEM?!? O QUE TÁ ACONTECENDO?!
- Merda. Quero que tudo que eu criei ontem a noite suma (disse baixinho).
- Daniel você tá aí?!? Abre a porta por favor!!

Não foi preciso que eu abrisse. Um pouco antes de eu girar a maçaneta ela mesma derrubou a porta.

- Mãe... Calma... Foi só um pesadelo que eu tive. Desculpa a gritaria.
- VOCÊ FICOU MALUCO?!

Ela tinha uma frigideira na mão.

Passei um bom tempo ouvindo reclamações do tipo "eu podia ter tido um infarto do coração" e "a gente vai no psicólogo semana que vem". Depois de 30 longos minutos ela foi dormir. Consertei a porta. E me deitei de bruços (puto da vida, claro). Um pouco depois senti um corpo com pele macia e shampoo de chocolate em cima do meu.

- Essa foi quase em?
- Isso é culpa sua. Se você vai me matar é melhor fazer isso logo.
- Eu não mataria alguém tão quentinho.
- ...
- Deixa eu ficar do lado da parede?
- Tá... Tudo bem... Eu acho

Ela se deitou de frente pra mim e pude ver melhor seu rosto. Tinha uma pele morena bem clara. Quase como se fosse um bronzeado. Cabelos meio lisos e um pouco cacheados nas pontas ao mesmo tempo. Um rosto "doce". Ela tinha um corpo delicado e bem feito ao mesmo tempo. Bonita. O tipo de garota que facilmente faz muitos garotos se apaixonarem.

- Então... Você não quer me matar?
- Não. Nem conheço você. Porque eu te mataria?
- Pelo prêmio ué.
- Ah! É, eu poderia fazer isso sim.
- ...
- ...
- Então... Você vai fazer isso?
- Não. Eu já disse. Para de ser chato.
- Tá bom, tá bom... Só me explica, por favor: Quem é você? Porque você veio aqui e tá deitada na minha cama?
- Eu não gosto de dormir no chão e só tem uma cama aqui então tive que deitar com você. E a verdade é que eu somos iguais. Também tenho poderes, como você deve ter imaginado. E hoje eu vi quando você correu daquela multidão sem roupa e aquele cara de terno e gravata fez alguma mágica e todo mundo sumiu na minha frente.
- Cara de terno e gravata?
- É.
- Tá... Certo... Então...
- Enfim. Eu não quero matar você. Meus poderes nem são tão "bons" pra assassinar alguém. Mas o que eu quero mesmo é fazer um acordo com você.
- Que tipo de acordo?
- Eu e você, juntos, podemos vencer os outros jogadores e sobreviver. Eu posso ser mais útil do que você imagina.
- Eu não confio em você. Você desarmou todo o meu sistema de segurança. Quem garante que você não vai trair esse acordo?
- Na verdade não, eu só pedi pro seu robô fazer isso. Ele foi muito gentil. E você não colocou nenhuma trava na janela ou algo do tipo.
- Ah... Tem razão. Droga.
- Você aceita ou não?
- Hm... Tudo bem. Você é bem estranha, mas aceito.
- Cara... Isso ofende. Nunca fale isso pra uma garota deitada na sua cama.
- Ok... Desculpa.
- Tudo bem. To com sono. Passei 2 horas na janela com medo de te acordar e você gritar de medo, coisa que você fez.

Ela tirou a blusa sem pedir permissão. "Essa garota é muito atirada" (pensei)

- Boa noite, Daniel. Dorme bem
- Boa noite... Qual seu nome mesmo?
- Pode me chamar de Kami.

Adormeci, abraçado com uma garota completamente estranha. Mas admito... Foi ótimo.

NexusOnde histórias criam vida. Descubra agora