Capítulo 2

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19 de junho de 1996

_ Não se preocupe, ela vai ficar bem, só esta em choque e precisa descansar.
_ Nenhuma adolescente deveria ver essas coisas.... - Amanda suspirou e se levantou da cadeira de couro do médico, logo depois fez um sinal para que eu me levantasse e a seguisse
_ Sugiro que a senhora deixe que ela descanse, o choque pode se transformar num trauma, espere que ela esqueça... uma mudança seria ótimo para ela, ali ela sempre lembraria do acidente, do choque que ela viveu, quanto mais cedo você tirar ela da sua casa, melhor para ela e para você
_ Obrigada doutor, vou tentar processar tudo isso aos poucos assim como ela, vou ajudá-la a passar por isso. Obrigada mais uma vez. - Ela estendeu a mão para o doutor
_ Não foi nada, só tente fazer o máximo para ela se sentir confortável e segura ao seu lado - Ele apertou a mão de Amanda e a acompanhou até a porta, abrindo esta para ela. - Vou precisar vê-la pelo menos 2 vezes ao mês, para ver o progresso dela
_ Vou marcar a próxima consulta, obrigada doutor
_ Por nada dona Amanda, até a próxima consulta.
_ Até a próxima consulta - Amanda entrelaçou seus dedos aos meus e foi me guiando em direção a saída, olhei para a minha mãe e então para o doutor antes de vê-lo desaparecer.
Nos encontramos com meu pai no corredor, ele estava assistindo a televisão provavelmente entediado por nos esperar, antes que eu pudesse concluir essa hipótese ele se levantou e caminhou em nossa direção esboçando um sorriso que parecia dizer " Vai acabar tudo bem... " , naquele momento eu queria acreditar no que aquele olhar me dizia, mas toda a vez que olhava dentro dos olhos de alguém eu via como um flashback aquele senhor acenando desesperadamente em minha direção e depois sendo tirado do chão por um carro prateado.
_ Como esta minha princesa ? - Ele disse sorrindo para mim com aquele mesmo olhar de antes só que mais acolhedor, ele realmente tinha o dom de fazer eu me sentir melhor e segura
_ Vou sobreviver - Disse com um tom sarcástico na voz e depois sorri porque ele pareceu não entender direito se aquilo significava ser sarcástico
_ Isso é bom, eu acho.... - Ele sorriu e tive a sensação de que ele estava tentando ser sarcástico também, aquilo me fez sorrir.
_ Vamos indo então, não gostava de hospitais, não gosto de hospitais e nunca vou gostar, esse lugar me dá arrepios... - Amanda fez um gesto como se estava com frio para dramatizar um pouco, depois pegou a mão de meu pai e segurou bem firme - Vamos, temos que pegar Ryan e Joe na dona Fatima antes que ela os encha de doces e eles acabem com diabetes... - Não pude evitar de sorrir naquele momento, dona Fatima era nossa vizinha e ela adorava nossa família, ela sempre gostava de conversar sobre o que estava acontecendo em sua vida, muitas vezes repetia as mesmas coisas porem eu não me importava, ela era a única pessoa que conseguia quebrar o silencio tortuoso e acabar com meu tédio quase todos os dias.
Meus pais estavam bem na frente, olhei cada detalhe do hospital cuidadosamente, na verdade ainda não conseguia entender porque minha mãe não gostava de estar dentro dos hospitais, eu achava o que eles faziam ali dentro fascinante, parecia até um vício.
Estava um pouco distraída quando tropecei em uma das cadeiras da sala de espera, logo a frente havia um corredor vazio e escuro, assustador porem tentador, fiquei observando a escuridão e parecia que algo estava me observando de volta. Me aproximei lentamente daquele corredor, aquele corredor parecia me engolir com sua escuridão, parecia não ter fim, mas mesmo assim continuei seguindo em frente cada vez mais, não estava enchergando nada além de uma fraca luz que ameaçava apagar cada vez que eu me aproximava, então resolvi parar no caminho pois havia alguém ali, parado bem embaixo daquela luz fraca estava uma mulher, alta e extremamente magra, estava com um vestido preto rasgado, e um pouco desbotado, estava com os cabelos bagunçados e sua aparência era assustadora, sua boca estava com uma cor totalmente pálida assim como seu rosto. Tentei dar um passo para trás porém eu tinha ficado paralisada, uma sensação fria percorria minha espinha fazendo com que eu ficasse arrepiada
_ Mãe... Pai... - Tentei gritar mas tudo o que havia saído era um sussurro fraco.
Eu a olhei e ela olhou para mim de volta, contra minha vontade fui me aproximando, não controlava mais meus pés, queria gritar e correr para longe dali porem a única coisa que eu conseguia fazer era seguir em frente sem mexer a boca, apenas seguindo em frente ate que eu fiquei cara a cara com aquela mulher, naquele momento eu pude ver suas pequenas rugas abaixo e do lado dos olhos, uma cicatriz longa em sua testa e a cor de seus olhos eram negros como um abismo ou um buraco negro. Ela levantou sua mão e então pegou uma mecha do meu cabelo e enrolou entre seus longos dedos com um esmalte vermelho desgastado e então num rápido movimento ela cortou aquela mecha e sorriu para mim, revelando seus dentes, alguns amarelos e outros pretos, podres.
_ Melissa! - Ao longe eu estava escutando a voz de minha mãe, com aquele tom desesperado e preocupado
Eu queria dizer " mãe me ajude... " mas aquelas palavras morreram no fundo da minha garganta, tudo o que eu consegui fazer foi chorar e sentir as lagrimas correndo pelo meu rosto, uma após a outra. A mulher sorriu novamente para mim e então colocou suas mãos ásperas nos meus ombros e me empurrou me levando de volta a claridade.
_ Melissa, graças a Deus! Onde você estava ?! - Ela me olhou e tentou colocar suas mãos nos meus ombros, por instinto eu rapidamente desviei me lembrando do toque daquelas mãos ásperas e sombrias nos meus ombros... Não queria deixá-la triste mas eu estava em choque, não porque eu queria, mas simplesmente estava... - Melissa, você esta bem querida ?
_ Eu... eu... preciso me deitar um pouco mãe... - Tentei andar porém meus pés cederam e eu acabei caindo, a única coisa que pude ver antes de tudo escurecer foram meus pais correndo para me socorrer e aquela mulher de pé, bem na minha frente olhando para mim...

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