26 de Março de 1997
_Bom dia Melissa - Mamãe estendeu a mão segurando a espátula engordurada para mim, depois voltou a atenção para a frigideira que deixava um cheiro agradável pela casa de ovos mexidos com um tempero especial que só ela conseguia fazer
_ Bom dia - Murmurei sentindo o adorável cheiro do café da manhã
_ Parece que teve uma noite bem agitada não é ? - Ela me olhou dos pés a cabeça antes de apontar para a cadeira pedindo para que eu me sentasse e foi o que eu fiz.
_ É... eu tive um sonho estranho... - Passei as mãos pelos cabelos e parei na metade do caminho deixando minha cabeça apoiada em minha mãos
_ Com o que sonhou ?
_ Eu sonhei com você é com o papai, quando vocês estavam brigando e o papai saiu de casa e bebeu tanto, e depois te bateu ate que você ficou desacordada, eu não me lembrava daquilo até esta noite, parecia tão real, parecia que eu estava ali novamente revivendo aquele momento assombroso... - Parei um pouco para deixar minha mãe processar todas as informações, e esperei que ela dissesse alguma coisa, mas ela não o fez, apenas ficou mexendo nos ovos todo o momento enquanto eu falava sobre meu sonho. - Você se lembra desse dia ? - Perguntei mas me arrependi no momento em que eu perguntei. Ela inspirou por um longo tempo e depois expirou ainda mexendo os ovos na frigideira
_ Sim querida, eu me lembro desse dia. - Quando ela parou de falar eu soube que ela não diria mais nada e não queria que eu continuasse a conversa também, então fiquei quieta.
Tomamos café quietos, eu sentei em frente ao meu pai olhando para ele disfarçadamente durante alguns momentos, provavelmente ele percebeu pois levantou o olhar e me encarou antes de falar
_ Então, quer me perguntar alguma coisa ? - Ele cruzou os braços e se inclinou para trás recostando-se na cadeira
_ Não, eu só estava lembrando de algumas coisas do nosso passado - Respondi e comi um pedaço dos ovos mexidos, estavam ótimos
_ Como o que ? - Ele levantou uma das sobrancelhas e eu sabia que isso significava que ele sabia do que eu estava falando
_ Bem ... - Estava pensando em outra coisa para dizer, pois não queria falar sobre aquilo, não com ele - Estava lembrando quando você me deu meu primeiro livro de terror, eu tinha gostado tanto que terminei em um dia - Sorrio tentando disfarçar
_ Lembro, foi um dia bem legal, eu gostava quando conseguia fazer você sorrir, você sempre foi uma menina rabugenta - Ele sorri e eu sorrio e depois levanto uma sombrancelha pensando no que ele disse
_ Você me acha rabugenta ? - O olhei
_ Talvez - Ele sorriu e voltou a comer e eu sabia que aquilo significava que o assunto estava encerrado.
Depois de algumas horas fui caminhar um pouco pela cidade, minha mãe havia me entregado dinheiro e uma lista para fazer algumas compras, não reclamei pois o clima em casa estava entediante. Levei meu mp3 e meus fones de ouvidos para escutar um pouco de música tornando as compras mais interessantes. Quando sai do mercado duas horas depois já eram quase 18h o dia estava se tornando noite, as luzes nos postes se iluminavam deixando marcas douradas nas ruas.
Ainda estava com meus fones nos meus ouvidos, a música estava tocando, lenta e suave como sempre as músicas eram.... só quando eu passei em frente a um beco escuro a musica parou e se tornou em uma voz rouca que falava meu nome, repetidas vezes, primeiro baixo e depois começava a aumentar ate ficar insuportável, foi neste momento que eu tirei o fone e percebi que a voz não estava vindo nos fones, estava dentro da minha cabeça e estava muito alta, ensurdecedora, me ajoelhei e coloquei minhas mãos na minha cabeça tentanto fazer a voz parar, então eu gritei alto e a voz cessou e uma sombra apareceu, primeiro imaginei ser minha sombra porém eu a vi se mexer, depois senti um toque nas minhas costas que me fez arrepiar, aquela mão áspera e com dedos longos, apesar de não querer acreditar eu sabia que era ela, então eu me levantei e me virei para ela, olhando para baixo tomando coragem para depois olhar para ela. Percebi que ela estava diferente, parecia mais familiar para mim agora, alguém que eu havia visto, talvez durante meus sonhos ou ate mesmo na vida real em algum momento da minha vida, não sabia explicar direito o que estava sentindo em relação a ela só sabia que queria sair dali, chegar em casa e abraçar meu pai e me aconchegar no colo de minha mãe.
_ Melissa... - Ela estava parada na minha frente e eu a estava olhando, mas quando ela falou eu não consegui ver seus lábios se mexendo, foi uma sensação estranha, parecia que ela havia sussurrado no meu ouvido mas ela ainda estava imóvel sem qualquer expressão. - Melissa... - Ela estendeu as mãos como se estivesse oferecendo um abraço, eu não queria me aproximar porém eu ainda assim me aproximei e a abracei, neste momento eu vi, pude ver, a casa escura e ela ao meu lado, me segurando para ver o que eu não queria ver...
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