A estrada os obrigou a fazer uma curva fechada, contornando as árvores. Lá estavam cerca de dez carros com seus faróis acesos, formando uma grande roda e, no centro, uma enorme fogueira. Maya se esgueirou entre os bancos da frente e desligou o som, mas não houve silêncio. Imediatamente uma outra batida preencheu o ar. Era música eletrônica e dúzias de adolescentes dançavam junto ao fogo.
- Nossa. – Exclamou a loira boquiaberta.
- Fantástico! – Acrescentou Carmem.
- Não precisam agradecer! – Toni deu de ombros e, com um gesto, pediu a garrafa que Maya cedeu gentilmente.
- Como você conseguiu isso?- Ela ainda não tinha sido capaz de fechar a boca.
- Chantagens, mentiras, alguns telefonemas e muito dinheiro, é claro!- Ele tinha na face o mesmo sorriso que exibira mais cedo na escola, com um pouco mais de arrogância, talvez.
- Ah, Toni! – Maya se precipitou em direção ao rapaz, pendurando-se em seu pescoço e depositando um longo beijo em sua bochecha. - Você é o único que sempre me dá o que eu quero sem que eu ao menos precise pedir.
- Aham... ok! – Murmurou dando tapinhas no ombro da menina. – Acho que alguém já bebeu o suficiente por hoje!
- Desde quando você vê limite em bebida?- Zombou Luca
- Tá certo! – Toni riu.
Os pneus rugiram em contato coma grama baixa do pasto, perdendo velocidade e em seguida tomando um lugar na roda. O som estava tão alto que era impossível conversar sem gritar. As meninas uivaram um "uhul", enquanto os garotos riam. De perto era possível reconhecer alguns carros: picapes e caminhonetes com pessoas e isopores na caçamba. Maya podia imaginar a quantidade de adolescentes que haviam se espremido em cada uma delas para chegar até ali.
As meninas desceram do carro e caminharam para a multidão, enquanto Luca manobrava parando o carro de ré. Tôni desceu logo depois e abriu o porta-malas. Por pouco mais de um segundo Maya pode ver os dois isopores gigantes e cheios que eles ofereciam aos demais. Em seguida uma muralha de jovens enlouquecidos atacou o carro. Não que fosse necessário, a festa estava muito bem abastecida. Na verdade havia bebida suficiente para deixar todos em coma alcoólico por alguns dias.
Uma dádiva da adolescência, o exagero. Aquele desejo ainda muito infantil de ter mais do que se pode consumir, misturado com o poder de consegui-lo que só a maturidade traz. Mesmo que soubessem que não seriam capazes de beber tanto, não hesitariam em pegar mais garrafas, como se aquela fosse a ultima e mais preciosa oportunidade de perder o controle por algumas horas. Desespero. Era a palavra que Maya usaria para definir aquela situação. Tão tristes e vazios, prontos para consumir uns aos outros. Ela só não era capaz de notar que, apesar de parecer diferente e até superior, ainda era um deles. Tão triste e vazia quanto e muitas vezes mais desesperada.
Na orla da fogueira o chão estava tão pisoteado que não seria capaz de se recuperar, mas ninguém parecia ter notado. Era ali que as crianças dançavam. Vários conhecidos cumprimentaram Maya com acenos. Disputavam os segundos de sua atenção como se secretamente esperassem algum tipo de aprovação. A garota os cumprimentava sempre sorridente e gentil, apesar de não saber que um olhar torto ou uma critica discreta seria suficiente para envergonhar muitos deles.
Passados os instantes de cortesia, ela se ocupou em correr a festa com os olhos. Saltando de rosto em rosto, resvalando entre as pernas e os tênis da multidão. Uma busca furtiva e selvagem por um desconhecido. Eram tão poucos. E não podia ser qualquer um, não. Qual é o impacto de estar com qualquer um? Depois de algumas doses de bebida, a garota deixou escapar um profundo suspiro de tédio e partiu pra conseguir um espaço entre os que dançavam.
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O Anjo
FantasyVidas. Sonhos. Amor. As moedas de troca do destino. Desejo. Ambição. Cobiça. Pecados do mundo moderno. Enraizados no coração humano como uma erva daninha. Até que ponto poderíamos ir para alcançar um sonho? O que não daríamos pela realização de no...