Diálogo?

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A base deste texto é abstrata. Quando tentei começá-lo, escrevi muito pouco, e achei que dificilmente o completaria. Mas a ideia não podia simplesmente não ser usada. Então, um dia, eu estava bêbado de ideias, e consegui terminá-lo de um jeito até mais especial do que eu esperava. Espero que a ressaca não seja longa.

  Ouvi um barulho ao fundo. Não sei se realmente ouvi ou minha cabeça quis que eu ouvisse. De qualquer forma, caminhei em passos lentos, e abri a porta. Eu sabia que você viria.

  Sente-se, relaxe, respire um pouco para sair da atmosfera pesada do cotidiano. Conte-me como tem passado seu tempo. Vamos ter uma conversa. Pegue algo para beber, se quiser. Receio que pouca coisa que tenho aqui conseguirá acompanhar nossa prosa.

  Não se acanhe, não há mais nada a temer. É que algumas perguntas ficam reincidindo na minha cabeça, e não ter a quem perguntá-las pode ser uma coisa ruim.

Você realmente falava comigo?
Foi mesmo de verdade?
Importava para você?
Já parou pra pensar sobre isso? Realmente enxergou o que aconteceu?
A pergunta importante é:
O que você quis de mim?
As palavras não foram suficientes pra você, não é?
De fato, você trocou um duvidoso por outro duvidoso.
Valeu a pena?

  Depois daquele momento, você me deixou sozinho naquela ilha. Vou te contar, foi uma tortura. Não porque eu estava sem você, mas sim porque eu estava comigo. Eu não escutava a minha voz, por mais alto que gritasse. Não escutava meus pensamentos, por mais altos que fossem. Eu não escutava meu passado ecoando pelo meu corpo, fazendo uma alegria aqui e um estrago acolá. Eu só ouvia silêncio, e as ondas quebrando no oceano da minha mente, e algumas poucas gaivotas ao fundo, querendo me dizer alguma coisa.

  À noite, eu olhava para as estrelas. Elas eram pessoas do passado. Peguei uma das poucas folhas que haviam sobrado daquele dia memorável e, com um lápis que sempre me estava à mão, anotei nomes dos rostos de pessoas como você. Não havia nenhum que não estivesse riscado. O meu presente era olhar para areias que o tempo construíra lentamente. Elas eram minhas memórias. Às vezes, ondas as levavam para nenhum lugar em especial.

  O Sol e a Lua revezavam o trono do céu várias vezes, e eu ainda estava lá. Agora com um pouco menos de vontade de sair. Eu me acostumara a acordar com o barulho do mar das minhas ideias, a dormir à luz da Lua e com uma brisa um pouco mais fria do que o desejado. Eu me acostumei com uma ilha silenciosa, e com o fato de ter sido deixado lá. Eu ainda não tinha voltado a pensar no que passou. Embora eu não houvesse me recomposto, eu aprendi um certo bocado de lições e truques de uma vida solitária, que podem vir a ser úteis na vida em sociedade, quando eu voltasse da minha "viagem" interior.

  Depois de semanas, eu já me sentia bem com a belíssima visão que meu céu particular me oferecia toda noite. O tempo tem o poder tanto de moldar quanto de desfigurar, mas dessa vez ele escolheu moldar, construir alguém que pudesse viver de areias, ondas, brisas e cocos. Uma ilha não era de todo mal. Eu pensava assim quando você me trouxe de volta.

  Não foi a melhor volta da minha vida. Eu estava com saudades de casa, mas eu criara nostalgia por aquela ilha. Era um lugar tranquilo e pacífico, apesar de eu ter ido para lá à força. Era um lugar silencioso, e isso me fazia querer voltar e ouvir vozes. Mas também me fazia relaxar na brisa que sempre vinha da costa oeste nas noites sempre estreladas. Eu havia passado um bom tempo lá, e foi um tempo bom. Algo que era para ser uma coisa ruim pra mim acabou se tornando boas memórias de um período não tão bom assim.

  De qualquer modo, quando voltei, estava diferente. Não só eu, mas as coisas ao meu redor. Muito mudou, mas o que mudou mais foi meu jeito de ver a paisagem. Mas mesmo com essa recém-adquirida perspectiva, eu ainda me perguntava porque você me trouxera de volta. Minha melhor aposta continua sendo a de que seu objetivo foi me tirar do meu status-quo, ou em palavras diretas, meu equilíbrio.

  Você queria que eu notasse sua presença, como se sentir sua ausência na primeira semana fora não fosse o bastante. Mas eu sabia que as coisas já não eram as mesmas, suas intenções eram apenas aparentes. Você nem sequer escreveu meu nome na carta de desculpas, que veio junto com o barco de resgate.

  Depois de dito tudo isto, eu volto ao presente. Agora, estamos olhando um para o outro. O frio entre nós está claramente notável. Faz quarenta graus lá fora, mas não queremos descongelar. Nossos egos são autossuficientes. Lembra-se das perguntas que fiz no início? Pois bem, vou mudar de conjugação.

Você quer ver meu sorriso?
Sentir minhas lágrimas?
Ouvir minha risada?
Derramar meu sangue?
O que você quer de mim?

  Enquanto o silêncio pesa em você para forçar uma resposta, o meu ar está mais leve. Eu já fui para uma ilha solitária. Eu sei como as palavras podem te perturbar, e como a falta delas pode ser desoladora. Você já devia saber disso, foi você quem me mandou para lá.

  A última interrogação que eu proferi ainda ecoa pela sala, enquanto você caminha em passos rápidos e fortes, batendo a porta sem olhar para trás. Solto um suspiro de alívio, eu venci dessa vez. Percebo, algum tempo depois, que nunca houve ninguém ali. Era apenas mais um monólogo que minha mente inventara. Eu havia acabado de discutir com meu passado que me atormentava.

  Bom, pelo menos dessa vez eu venci.

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