Dias de luto, dias de glórias

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No outro dia, na escola, levei meu trabalho à frente da classe, e tive que falar o primeiro parágrafo dele. Era uma mania que a professora tinha para provar que os alunos realmente escreveram algo, e não só alguns rabiscos em uma folha de papel em branco. Não chegava a ser um seminário, era mais como uma apresentação prévia.

Toda vez que eu passava por isso, congelava. A turma já estava acostumada a me ver travada de frente para todo mundo, sabendo o assunto decorado, mas sem coragem para recitá-lo.

— Eu... — Cocei a garganta, e tentei fixar em um só ponto, as vezes isso ajudava. Olho para Tyler, que me dá uma piscadela, e um sorriso.

Leio seus lábios, dizendo "vai ficar tudo bem, respira fundo. Você consegue!"

Isso sempre funcionava.

Todo mundo que me conhece sabe de duas coisas sobre mim:

1) Eu era bem inteligente

2), mas extremamente envergonhada.

Tyler também era assim, mas não tanto quanto eu, gosto de pensar que ele tem um grande lado profissional. E por isso quer cursar a faculdade de publicidade e propaganda. Já eu, quero ser um amontoado de coisas que na minha cabeça, se ligam de alguma forma, mas que na verdade, não têm nada a ver.

— Obrigada pelo apoio, - Agradeço ao meu melhor amigo, sentando de volta na minha carteira. Ele dá os ombros. — Eu achei que ia vomitar.

— Eu também achei isso, por isso que tomei uma providência — Brincou, revirei os olhos e ele segurou a risada.

Nesse momento lembrei de um fato não tão agradável.

— O que foi? — Perguntou, Tyler, percebendo minha feição triste repentina.

— Meu pai vai dar ações de graças por dois anos de casados com a Michelle. — Afirmei. — Você precisa vir comigo, Ty.

Michelle é a atual esposa do meu pai, até que ela era legal, mas me faz muitos elogios, e até meu pai sabe que aquilo é só pra agrada-lo, como se tivesse puxando seu saco. Mas na verdade, eu sei que ela preferiria nunca mais ter que ver eu ou a mamãe.

— Michelle? Ah, Amy... Ela é tão... — ele procurou palavras, e molhou os lábios com sua própria língua. Tyler gostava dela tanto quanto eu.

Meus pais se separaram eu tinha apenas 10 anos. Tyler viveu junto comigo toda a experiência. Primeiro viu meu pai prometendo que nunca me deixaria, então viu o mesmo fazendo as malas e saindo da cidade para morar com a sua primeira esposa depois da mamãe - que não é a Michelle. - Aos 14 ele se divorciou novamente e voltou a morar perto de mim. Junto com isso trouxe promessas que agora tudo ia ser diferente, mas não foi. Quando completei 15 anos ele trouxe Michelle para morar com ele.

— Babona? Nova? Totalmente descarada? — Sugeri, voltando a órbita.

— Eu ia dizer "Cínica", mas acho que você resumiu bem. — Não conseguimos conter o riso e a professora nos lançou um olhar de reprovação.

— Por favor! — Supliquei num sussurro, com as duas mãos juntas como se implorasse.

— Tá... Tudo bem. O que você não pede chorando que eu não faço sorrindo?!

— Nada? — Sugeri como resposta.

Por volta das seis da noite, Tyler apareceu na minha casa. Ele já estava vestido conforme o solicitado por mim mais cedo: Smoking, calça social, e tênis. Meu pai não fazia questão, mas é que eu não perdia a oportunidade de vê-lo dentro de trajes formais. Realçava ainda mais a sua beleza. Eu já estava maquiada então só faltava escolher o que vestir.

Já no meu quarto, espalhei todos os meus vestidos pela cama, e tentei escolher o melhor deles, com ajuda do Tyler, que não foi requerida, mas ele deu mesmo assim.

— Por que você não põe esse aqui? - ele pegou um vestido azul marinho, que ainda estava no closet. Tyler ama qualquer tom de azul.

— Eu nem me lembrava dele... A minha vó que fez. — Afirmei.

— Eu lembro de quando ela te deu, você correu pro quarto se trocar e passou o dia inteiro com ele... A gente tinha uns 14 anos, e o vestido ficava abaixo do seu joelho — Ele sorriu ao recordar a memória, e eu também.

— Tudo bem... Eu já volto, vou me trocar.

Não que eu não quisesse ficar seminua na frente de Tyler, até porque ele já tinha me visto assim antes, depois dos dez anos de amizade, era meio bobo ir para o banheiro me trocar ao invés de simplesmente fazer na sua frente. Mas nessa situação específica, eu queria causar surpresa. Ele nunca tivera me visto com esse vestido depois daquela noite, que aconteceu há dois anos.

E não é que o vestido caiu como uma luva? Ficou bem junto, realçando as curvas que nem eu sabia que tinha. E desta vez, ele batia uns três centímetros acima do meu joelho.

— Voilà! — Falei, ao entrar no quarto, e admito, adorei a expressão que Tyler fez ao me ver. Tão... Surpreso. Como se nunca tivesse me visto mais linda que agora.

— Amy, você está... Linda! - Tyler ainda parecia surpreso — O que o tempo não faz... - Brincou, e eu peguei uma almofada que estava ao meu lado e lancei nele.

— Engraçadinho... Vamos, a gente não pode nos atrasar. Da última vez o papai deu o chilique pelo nosso atraso. Eu não quero ouvir sermões. Já basta ter que aturar a Michelle a noite inteira falando como a vida dela é perfeita.

— Para uma garota de apenas 16 anos, até que você está bem sem noção! — Ele disse, sarcástico.

— E não é? Só acontece nas melhores famílias — Rimos em voz alta.

Eu não tive tempo de me despedir da mamãe, que ainda não tinha chegado do trabalho, mas mandei uma mensagem avisando que estava saindo, junto com uma foto minha e do Tyler. Ela respondeu com um coração seguido de "Juízo! Amo vocês!"

Tyler dirigia o carro do pai dele, que em seu entendimento era "alcoólatra demais pra dirigir, ou para perceber que o carro não está na garagem.". Eu sorri de canto, mas sabia que aquilo lhe decepcionava no fundo.

Chegamos em 30 minutos, e como sempre o papai já estava a minha espera em frente de casa.

— Oi, pai! — Dou um abraço apertado nele. Eu amo dar abraços calorosos no meu pai, isso me faz lembrar que ele não me deixou só porque se divorciou da minha mãe, e que ainda sou amada apesar de tudo.

— Oi, Michelle. — Abracei-a também.

— Olá, entrem, crianças. — Ela disse.

Uma hora depois de tanta conversa boba jogada fora, meu pai decide fazer um brinde. Ele bate na taça de cristal com uma colher, e pede atenção. Minha barriga congelou. Nada de bom podia sair desse brinde. Nada de bom nunca saiu de um brinde feito pelo papai. Ou Michelle.

— Eu e Michelle queremos brindar algo com vocês. — Fala entusiasmado, e eu e Tyler abrimos um sorriso falso. — Nós vamos ter um bebê!

E então meu sorriso repentinamente se fecha. 

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