3

72 6 0
                                    

Meu corpo gira, meu mundo se comprime e foca no pequeno e inofensivo rosto de Rose, pobre Rose. Como alguém pode, ou até mesmo pensar, em fazer algo tão monstruoso? Quase sempre o homem é capaz de realizar atos cruéis que nem um outro animal na natureza seria capaz. Como lidar com isso? Esse, caros amigos, é um dilema tão velho quanto o mundo. Eu só rezo para que aja, pelo menos em mim, algo de bom.
- Por que você não o denunciou? - Perguntei.
- Eu temo pela minha vida Cas. E agora, mais que tudo pela de Rose.
- Mas o que faremos?
- Faremos? - Ela ironizou. - Você não pode salvar o mundo Cassandra. - Eu reviro meus olhos.
- Ah, me poupe Gisele! Não posso permitir que alguém, com alguém eu quero dizer aquele chinês psicopata, a machuque. - Minha voz se eleva um pouco
- Ele não é chinês.
- Que se dane o que ele é! Eu só vou...!
- Vai o que? - Grita Gisele.
E Rose acorda. Aos berros assustada com nossos gritos.
- Droga. - Simbila ela.
Eu me sinto um pouco culpada. Pego meu cassaco em cima da cômoda e caminho até a porta.
- Me desculpe. - Digo sincera, Gisele fica calada e então eu vou embora. Com uma chama nova dentro de mim.

Desde quando essas séries de TV ficaram tão deprimentes? Acho que sou eu que sou amarga demais. Tenho certeza de que esse botão do controle remoto não durará muito. Eu mudo de canal a cada segundo, e não encontro nada que me agrade. Sério que alguém ainda assiste esses romances sem graça? Onde o amor pode ser encontrado a cada esquina que o protagonista passa? Isso me faz querer vomitar. Mas não quero desperdiçar a maravilhosa lasanha que comi. Não, isso seria tolice. Resolvo dormir mais cedo. Esqueci de mencionar que agora consigo dormir. Quem não conseguiria quando se foi medicada pelo médico? Minhas pílulas do sono fazem magia comigo, mesmo que não me proporcione sonhos. Quando fecho os olhos uma escuridão macia e receptiva me abraça, e me leva para um mundo sem céu, sem chão, sem lugar, me leva apenas para...bem para o nada.
David esteve aqui hoje, foi ele quem trouxe a lasanha, eu não sou o tipo de mulher que recusa uma lasanha, quem recusaria? Só um louco. Enfim, fiquei surpresa pelo modo como fui tratada por ele, desta vez, não demonstrou interesse ou tentou me seduzir, deve estar tentando uma abordagem diferente, seja ela qual for, não irá funcionar. Eu conheço os homens, ah se conheço! Em mateira masculina eu sou formada e mestrada. Depois dele, aquele demônio disfarçado de anjo, eu aprendi como as aparências enganam, e como uma mulher não deve cair em tentação, mesmo que ele seja o homem mais lindo que a humanidade já tenha conhecido. Não vale apena, não vale.
No dia 22 desse mês tem um importante evento para os professores, não só para nós, é uma feira de livros. Ultimamente adquiri um viciante habito, o de ler, acho que encontrei neles uma saída para a solidão. Pois quando leio um livro não me sinto mais só, pelo contrário, eu encontro um mundo inteiro à minha disposição. Mas voltando ao que interessa... Nesta feira, é possível comprar o maior número de livros que seus braços aguentarem carregar, posso garantir que os meus suportam uma satisfatória quantidade. E espero ansiosa por esse dia.
Minha cama me recebe alegremente como sempre, meus músculos preguiçosos reclamam mas depois relaxam. Olho para o teto, mas desvio os olhos, não posso olha-lo desse jeito, não mais. Até esse ele me trás lembranças dolorosas. O que há de errado comigo? É só a droga de um tento. Amanhã comprarei uma lata de tinta e o pintarei. Isso mesmo. Eu sou uma droga de um gênio.
•••

- Como você acha que dará conta Srta. Cassandra?
- Ora, até parece que não me conhece Srta. Gela... Cleo. - Tenho que segurar essa minha língua. Cleo arqueia uma das sombrancelhas, mas não diz nada. Ainda bem.
- O.k. Mas tudo ficará sob sua responsabilidade. Se der errado, a culpa será sua. - Eu não me aguento e reviro meus olhos.
- Mas que infantilidade! Uma professora! - Dispara ela, assim, de uma vez só.
- Me desculpe. - Que fique claro que na verdade eu não quis dizer isso. Eu reviro os olhos e pronto.
- Certo, mas da próxima vez fique mais atenta. - Diz em tom de ameça e não de aviso. E sai pisando duro.
Legal. Agora tenho aulas extras para organizar. Sozinha. Sou responsável pelo projeto que ajudará muitos alunos a saírem da sona das notas vermelhas em matemática. Eu pedi à escola que deixasse eu realizar esse programa, para melhorar o desempenho escolar dos nossos alunos, e o Sr. Augustus aprovou a ideia, desde que eu organizasse tudo e não recebesse nada por isso. Tudo bem, não tenho interesse monetário, apenas quero colocar a mente preguiçosa dos meus alunos para trabalhar. Mas eu vou precisar de ajuda, e já sei a quem recorrer.
Saio à procura dela pelos corredores, não sei onde está, provavelmente não na sua sala, é difícil ficar parada. Depois de muito procurar, eu encontro.
- Aí está você. - Digo um tanto ofegante.
- Estava me procurando?
- Oh. Sim. Muito.
- Preciso falar com você Sara.
- Todo mundo precisa de alguma coisa a todo instante. - Ela diz daquele jeito sereno.
- Certo, pequena filósofa. Mas temos assuntos à tratar. - Passo meu braço em cima dos seus pequenos ombros e caminhamos lado a lado, como boas amigas.
- E quais seriam eles? Vou logo avisando que eu não fiz nada...
Eu sorrio.
- Não, desta vez você não fez nada. Afim de um A+?
- Fale-me mais a respeito.
•••

Os dias passaram rápido. Tão rápido que quase esqueci, hoje é 22. E eu já estou no meu carro, seguindo para a livraria. Estaciono entre outras dezenas de veículos, e saio para a luz do dia. Com pequenos raios de sol acariciando meu rosto pálido. A livraria está lotada. É raro um pequeno metro quadrado desocupado. Espremo-me entre as pessoas, graças aos céus eu estou de tênis, preciso agradecer-me mais tarde. Mas tenho a vantagem de ser magra e esguia. Alcanço algumas prateleiras e começo minha caça ao tesouro. Retiro a lista com os nomes dos livros da minha bolsa. Alguém me empurra. Apanho O Apanhador no Campo de Centeio. E logo encontro Água para Elefantes, O Vôo da Libélula, Lugares Escuros e O príncipe dos Canalhas, algo me diz que vou gostar desse último. Mas ainda faltam muitos da minha lista.
- Posso ver que sua lista é bastante grande, precisa de ajuda? - Eu congelo. Uma formigação familiar se instala no meu estômago. E pequenos arrepios percorrem meu corpo com a simples sensação do ar dessa voz alcançando minha espinha. Eu não tenho coragem de responder. E nem de virar e encontar com o dono da voz. Viri-se. Grita uma voz irritante dentro da minha cabeça. Não. Protesta um outro eu. Viri-se logo e acabe com isso sua idiota! E eu virei. E o mundo adquiriu uma tonalidade diferente. Azul para todos os lados. Desde os livros até as janelas, cortinas, estantes, sofás, cadeiras... Tudo. Mas nada comparado a esses olhos. Oh não. Nada se compara a esses olhos. Nem em um milhão de anos haveria alguém ou alguma coisa parecida. Agora percebo que não consigo falar. Onde estão vocês palavras traidoras?
Não consigo descifrar seu olhar, mas sob seus olhos eu me sinto nua e vulnerável, no entanto também segura e inabalável. Sei do efeito que causo nele. Sei porque percebo a maneira como esconde suas mãos nos seus bolsos, e o jeito como franze a testa sem perceber, ou sorri involuntariamente. Eu sei dessas coisas, e posso usar isso a meu favor.
- Posso me virar sozinha. - Enfim tomo coragem e digo. Volto-me para as estantes cheias de livros e o ignoro. Mas que diabos ele está fazendo aqui?
- Tem certeza? - Ele insiste. Repousando uma mão grande sobre meu ombro. Eu estremeço e congelo mais uma vez. E se eu não me livrar de seu toque posso garantir que derreterei aqui e agora.
Viro-me e o encaro. Ah, como eu queria meus saltos agora.
- Tenho. E. Não. Me. Toque. - Empurro para longe sua mão.
- Desculpe. - Diz decepcionado. - Eu só queria saber como você está.
- Muito bem, até você chegar.
Acho que vi uma pontada de dor em seus olhos, eu não me importo. Ou me importo?
- Algum problema Cas? - Chega outro por trás. David. Que belo momento para se chegar.
- Nenhum, David. - Digo sem deixar de olhar Jhack.
- Eu já estava de saída, não se preocupe, não quis incomodar sua namorada. - Isso doeu mais em mim do que nele. Vi a dor nos seus olhos, e doeu mais ainda por não ter feito nada para impedir. Eu não sou namorada dele. Quis gritar. Mas por que isso importa? Eu pensei que não deveria me importar.

Como Livrar-se DeleOnde histórias criam vida. Descubra agora