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– Mas o que é isso na sua orelha Cassandra?
Levo imediatamente minha mão a orelha. Droga, mas eu as esfreguei tanto.
– Deve ser tinta. – Digo descontraída enquanto caminho ao lado de Sara.
– E como arranjou isso? – Pergunta ela.
– Comprei numa lojinha de conveniência.
– Ha ha, muito engraçado. – Revira seus olhos, e eu não deixo de sorrir.
– Eu estava pintando. – Digo somente isso.
– Ah... Entendo.
– Então, quando começamos? – Pergunta em relação às aulas  adicionais de matemática.
– Semana que vem.
– Certo. O que terei de fazer mesmo?
– Ser minha "assistematemática".
– Como é? – Diz intrigada.
Eu sorrio de novo.
– Uma espécie de assistente, logo você entenderá.
– Certo. Se você diz. 
E ao longe no corredor, David caminha em minha direção. Eu aceno e sorrio para ele. Ele retrubui de uma maneira boa.
– O Sr. David é amarradão em você Cassandra. – Fala Sara de repente. Eu torço para que ele não tenha ouvido.
– Não diga besteiras Sara.
– Não costumo me enganar com essas coisas.
– Ah é? Vejo que tem muita experiência.
Ela revira os olhos. Está fazendo muito isso ultimamente.
– Não me subestime. – Diz isso e vai embora com alguns colegas que encontrou por alí.
David está bem próximo agora.
– Bom dia. – Digo
– Bom dia. – Sorri ele.
Eu continuo a caminhar, e David me acompanha pelo mesmo trajeto que acabara de vir. E então mergulhamos num profundo silêncio. Não num silêncio bom, confortável. Na verdade um silêncio desconfortável, quase constrangedor.
E isso me irrita. Irrita muito. Qual meu problemaTalvez eu saiba a resposta, mas nem em cem anos admitiria. Ah não.
Chegamos a porta da sala dos professores e nem uma palavra foi dita. Ontem, quando David esteve na minha casa, não me fez tantas perguntas como eu achei que faria. E nem está fazendo agora. Não sei se fico aliviada, ou descontente. Mas dane-se o que eu sinto. O que importa é que eu não mais pense em nada relacionado à aquele homem.
David abre gentilmente a porta para que eu entre, e eu o faço.
– Obrigada. – Agradeço. Ele apenas sorrir. Que estanho. David está muito calado hoje. Dou de ombros e me sento.
•••

As coisas, aparentemente, voltaram ao normal desde a última vez que estive na casa da família de Gisele. Não tocamos mais naquele assunto, porque ela não me deixou brechas. Isso não significa é claro que eu não tentei. Na verdade tenho pensado muito nisso. Mas nada ainda me ocorreu. Seria prudente procurar a polícia? Será mesmo que esse Chinês ou sei lá o quê teria coragem de machucar a própria filha? Não quero pagar para ver. Então, polícia não. Mas quem mais? Só sei de uma coisa, deixar as coisas como estão não vai resolver nada. Gisele disse que se ficassemos quietas e caladas, ele não nos incomodaria. Até faz sentido, mas eu já sou covarde demais em outros assuntos, não posso ser também nesse. Uma vez que é da minha filhinha que estamos falando. E não deixarei que a machuquem.
Eu tento entender o silêncio da Gisele, tento mesmo, mas é difícil para mim. Ela não pode simplesmente esquecer, deixar para lá, fingir que não ver sei lá. Eu não posso esquecer, deixar para lá ou fingir que não vejo, isso não. Me sentir impotente diante da situação é ainda mais frustante, pois nada eu posso fazer por agora. No entanto, não deixarei esse assunto inacabado, só esperarei o momento certo.
Felizmente, não voltei a encontrar aquele homem dos impertinentes olhos azuis. O que é um alívio, mas eu ainda olho para os lados e para trás sempre que saio a rua como uma fugitiva ou alguém que teme por sua vida, o que não tem muita diferença. Uma vez que quando se trata dele, eu nunca sei se estou segura ou completamente perdida, e essas incertezas acabaram por destruír-me.
Antes de ir para casa, preciso passar na locadora e alugar alguns filmes, na minha casa, por favor acredite, não tem nenhum. Nunca tive muito tempo tal baboseira, por isso não achei que havia necessidade de tê-los em casa. Gisele até tem alguns, mas todos são umas merdas de romance ou qualquer coisa melosa, nada que eu assistiria. David que praticamente obrigou-me a fazer isso. Disse que isso serviria de consolo pelos jantares que tantas vezes recusei. Até parece, quase todos os dias não janta comigo, então não sei por quê reclama. Mas o fato é que gosto da sua companhia, talvez seja pela ausência de Gisele. Não quero usá-lo, por isso deixo sempre bem claro que o prezo muito, mas apenas como amigo. É sempre bom ter um amigo quando a solidão sonda você. Aprendi isso bem cedo. Ele me deu alguns títulos uma vez que não sei nada sobre o assunto e disse-me quais alugar, e depois mandou-me embora pois ia cozinhar aquela noite para nós. Dei a chave da casa para ele, para que pudesse cozinhar e disse que ia encontrá-lo. E assim faremos.
Não demorei a encontar a tal locadora, um lugarzinho charmoso bem iluminado com filmes de todos os gêneros. Entrei e logo me encaminhei para as longas prateleiras, que ocupavam as duas paredes laterias, e havia também mais ao meio, só que mais baixas de modo que se pode ver o o lado oposto da loja. Mais para trás, nos fundos, as prateleiras se tornam mais cheias e maiores o que significa que são mais altas. Olhei para os títulos escritos na bagunçada caligrafia de David no papel. Nele dizia: Viagem a Lua e Felicidade não se Compra. Gostei dos títulos, mas afinal não se pode julgar nada pela capa, ou pelo título. Um problema, não consegui encontrá-los de jeito nenhum. E pior, perdi-me entre tantas prateleiras! Olhei ao redor e encontrei-me cercada pelos filmes, e confesso que a claustrofobia me pegou. As paredes pareciam se mover a cada passo que eu ousava dar. Por isso parei, fechei bem apertados os olhos respirei fundo. Bem lá dentro. A fim de recuperar a  calma. Contei e recontei até dez e me senti um pouco melhor. Abri os olhos. Mas isso custou-me muito caro, pois uma estranha e encantadora visão encheu-me os olhos. Jhack estava a minha frente, sorrindo daquele jeito que repuxa o canto dos lábios rosados, deliciosamente. Estiquei hesitante o mão para tocá-lo mas uma voz aguda e irritante tirou-me doa meus devaneios.
– Senhorita? Tudo bem?
Suspirei e virei-me devagar.
– Sim estou. Só fiquei meio... Perdida. Só isso.
– Entendo... São muitas as prateleiras. E essas bem... Ficam mais escondidas mesmo. Deverias ter me dito o que procuras, que eu a ajudaria. – A moça tinha não mais do que 17 anos, era um tanto corpulenta, com pequenos olhos azuis, mas um azul desbotado.
– Eu tenho meu orgulho sabe, pensei que podia achá-los sozinha. – Confessei.
– Entendo. Podes dizer-me os nomes que encontro para você. Temos um computador que faz esse trabalho.
E eu quase me sentir uma completa idiota. Peguei um filme qualquer próximo dali e disse orgulhosa:
– Oh! Encontrei um!
Ela sorrio forçadamente e prosseguiu:
– E os outros?
Dei a ela aquela pequena lista e a segui quando esta serpenteou por entre o labirinto de prateleiras. No fim, encontrou os filmes e fomos até o caixa.
– Dei-me o filme que pegastes.
Eu demorei a entender, ou melhor, a processar o seu pedido, e só então lembrei-me que havia pegado um filme qualquer. Dei a ela. Essa por sua vez olhou-me de um jeito estranho, e até arregalou os seus petulantes olhinhos. Revirei os olhos.
Paguei-a e fui embora. Já no carro resolvi verificar o porquê da sua reação a mim. E então ruborizei e senti-me enjoada. Na capa havia duas mulheres despidas e provocavam-se segurando algo que imita o órgão genital masculino. Não sabia se ria, ou ia devolver aquela tolice. Sou tão idiota. Claro que voltei lá e devolvi, pedi desculpas e fui embora ainda envergonhada com a moça.

Como Livrar-se DeleOnde histórias criam vida. Descubra agora