QUATRO

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Todas as lendas têm uma medida de verdade. Todo poder tem um toque de vida. E toda escolha tem seu preço.

Ouvi alguém bater contra a porta, e por um instante imaginei que as pessoas haviam decidido me fazer pagar pela morte da gangue. Mas as batidas continuaram, e corri para abrir a porta assim que reconheci a voz de Asselya me chamando. Ela empurrou a porta de forma violenta assim que a destranquei, agarrando meu braço e me arrastando para fora.

– O que aconteceu? – perguntei enquanto corríamos pelas ruas.

– Não pergunte.

Ergui uma sobrancelha, surpresa, e continuei correndo, mal vendo as pessoas ao nosso redor. Nunca tinha visto Asselya com tanta pressa ou tão preocupada... Quase assustada. Como uma curandeira, ela via o pior do Nilue, nada mais a assustava. Aven! Viramos uma esquina, e percebi que estávamos indo para a casa da gangue. O que poderia ter acontecido lá?

Ela não se deu ao trabalho de bater na porta quando chegamos, só a abriu com um movimento brusco e me arrastou para dentro. Eu podia ouvir as ameaças vindo da sala dos fundos, e reconheci a voz de Luka. O líder da gangue raramente usava ameaças, e isso queria dizer que tínhamos problemas sérios.

Cor nos encontrou no começo do corredor que nos levaria para o fundo da casa, e Asselya parou, respirando de forma pesada.

– Asselya estava cuidando de um dos feridos quando esse cara entra. – ele começou, soando preocupado. – Mas ninguém viu ele entrar na casa, e não teriam deixado que ele entrasse, porque ninguém nunca viu ele antes. Ele anda ao redor de algumas macas que o pessoal armou antes de percebermos que tem um estranho no meio de nós, e então simplesmente mata um dos caras que estava desacordado, falando que esperava mais.

– O quê?

– Não sabemos o que ele quer e ele não quer falar. Luka está segurando ele, e ele não resistiu, aliás.

Aquilo não fazia nenhum sentido. Eu conhecia a segurança da casa. Só os membros da gangue e as pessoas que tinham ligações próximas com a gangue podiam entrar. Eles nunca deixariam um estranho passar, especialmente levando em conta que a maioria do pessoal ativo estava passando mal ou ferido.

– Luka quer que eu o assuste até falar, certo? – perguntei, e Cor assentiu.

Suspirei e comecei a seguir pelo corredor, Cor e Asselya ao meu lado. Luka tinha me chamado para intimidar pessoas duas vezes antes, mas naquelas vezes só mencionar meu nome havia sido o suficiente. Essa pessoa ainda não tinha falado nada, e havia assustado Asselya – uma curandeira que já tinha visto tudo que havia para ser visto no Nilue.

A sala dos fundos não estava tão lotada quando estivera durante a noite e as macas improvisadas tinham sido empurradas para as paredes, mas a maioria dos membros ativos da gangue estava ali. Luka estava mantendo o homem ajoelhado no meio da sala, com sua cabeça inclinada e as mãos presas para trás. Mesmo naquela posição eu podia ver que ele era alto. Seu cabelo escuro pouco abaixo dos ombros escondia suas feições. Sua pele parecia ser mais escura que a de Cor, mas eu não tinha certeza. Luka estava segurando seus braços um pouco para cima, numa posição que era dolorosa e que tornava impossível que ele se movesse, a menos que estivesse disposto a ter os braços deslocados.

– Bom te ver, caminhante das sombras! – Luka chamou assim que me viu. Ele nunca usava meu nome quando estávamos perto de estranhos. – Acha que as sombras estão com ao menos um pouco de fome?

Parei onde estava, levantando uma sobrancelha e sorrindo. Então este era o jogo que ele queria jogar. Certo.

– Não estão com fome, não depois de todos aqueles guardas. Mas vão gostar de consumir uma vida forte, mesmo assim.

Nilue (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora