Quase todos os moveis da casa exibiam claros sinais da maresia e o cheiro de agua salgada inundava o lugar junto com a brisa marinha que entrava pelas janelas e portas abertas. Mas nada disso tornava o lugar desagradável, a casa era na verdade muito confortável e aconchegante. Do lado de fora, sentado no ultimo degrau com os pés descalços na areia ainda morna, o jovem assistia serenamente os últimos raios de sol irem embora. Seu cabelo muito liso era tão preto quanto possível e seus olhos exibiam um azul vivo, a pele que um dia fora alva agora tinha um bronzeado quase dourado que por pouco não escondia suas sardas.
No mar a sua frente o reflexo vermelho alaranjado do sol se pondo dava lugar ao reflexo negro da noite e ao brilho da lua que se movia com as fracas ondas, enquanto uma delicada brisa despenteava seu cabelo. As casas vizinhas estavam silenciosas e, alem das ondas rebentando, ele podia ouvir alguns poucos carros passando na rua às suas costas. Se levantou e respirou fundo o ar marinho antes de caminhar até a orla, parou e sentiu a agua salgada molhar seus pés olhando as ondas virem e voltarem enquanto sentia a areia sob seus pés se molhar e afundar poucos milímetros.
Então seu olhar pousou na corrente de ouro enrolada na mão e pulso direitos, ele aproximou a mão do rosto deixando a medalha de meia lua na palma sob a luz do luar e deixou-a escorregar até ficar pendurada completamente pela corrente presa ao pulso. Recolheu e guardou no bolso da camisa de botões aberta que se movia com a brisa, não era dessa vez que se livraria das lembranças. Respirou fundo mais uma vez e voltou para os degraus, recolheu os chinelos que deixara no capacho e entrou na casa.
_Hael? - uma bonita mulher com uma longa trança castanho escuro e seus mesmos olhos azuis apareceu na sala.
_Sim mãe? - o garoto parou à porta.
_Assistindo ao por do sol de novo? - ela tinha na face um doce sorriso.
_Sim.
_Todos os dias...
_E nunca é igual. - ele sorriu olhando para o chão disfarçando uma lágrima que se formara. Muitas pessoas poderiam considerar aquilo ridiculo, mas ele simplesmente adorava a cena que acabara de assistir e se emocionava com ela dia após dia.
_Levou aquela corrente de novo, não é? - o bolso da camisa volumoso não o deixaria mentir.
_Mãe...
_Hael... - ela baixou a cabeça, o filho se aproximou, beijou sua testa e foi para seu quarto tomar um banho.
Na parede sobre a cama havia o retrato de um homem com cabelo grisalho e seus mesmos traços, na face um sorriso. Era assim que lembrava do pai, sorrindo. Perdera-o no ano anterior e na sequência mudara para essa casa com a mãe e o irmão quatro anos mais velho, Philip. Hael nascera há dezesseis anos e seus pais sempre diziam que ele fora um presente para Philip que pedira um irmãozinho. Sobre a mesa de cabeceira havia o retrato de uma jovem morena com longos cabelos cacheados e olhos cor de mel, no canto esquerdo inferior lia-se "Te amo, Sam.". Ele deixou a corrente ao lado desse retrato, pendurou a camisa em uma cadeira e se dirigiu ao banheiro
O reflexo no espelho sobre a pia mostrava um rosto sereno e melancólico, as bochechas e ombros vermelhos queimados pelo mormaço do fim do dia, ele sorriu para o próprio reflexo e entrou no banho. Retornou para o quarto algum tempo depois com uma bermuda e a toalha sobre o ombro e encontrou o irmão parado na porta apoiado no batente com um simpático sorriso. Philip tinha cabelos ruivo claro um pouco ondulado nas pontas que ia até pouco abaixo da orelha, os olhos castanhos e a pele mais clara que a do irmão, ele passava menos tempo sob o sol que Hael.
_Phil.
_Estava te esperando.
_Há muito tempo?
_Te esperar nunca é muito tempo.
_As vezes você diz coisas estranhas, sabe...
_Estranhas?
_É, que me deixam sem jeito.
_Desculpe. - Philip olhava-o como alguém que busca a hora certa de dizer algo, Hael percebeu apenas quando acabou de vestir a camiseta e encontrou o irmão exatamente na mesma posição ao se virar.
_Erm... Phil? O que há com você?
_Já não disse que estava te esperando? Mamãe pediu que chamasse para jantar. - ele disse rindo.
_Ah sim, vamos então. Estou pronto - o garoto sorriu e saiu do quarto passando pelo irmão que o seguiu.
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As Duas Metades
RomancePhilip tem vinte anos, aos três pediu para os pais um irmãozinho que chegou quando ele tinha quatro. Dessa forma seus pais diziam que Hael era um presente para ele. Philip sempre o protegeu, cuidou e conviveu com Hael como se fossem grandes amigos...