Capítulo seis: Ao Leste

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Lá fora o mundo estava inóspito, ruinas do que um dia já fora uma civilização, de fato as primeiras horas fora da cabine foram as mais complicadas, não que depois chegamos a aceitar a situação, não! Ela ainda nos martelava com aquele peso na consciência, aquela culpa, claramente era estampada nos olhos de meu pai que não deixava de se enraizar pelos seios meus e de minha mãe. Era horrível ver as sobras da carnificina, imaginar o tanto de almas que se perderam, almas inocentes e até mesmo mundanas, não importava, todos eram inocentes do motivo da guerra, o grande problema dos cogumelos são que eles não deixam órfãos, não deixam viúvas, não deixam famílias sozinhas, nada! Os cogumelos matam nações e no caso todas as nações. Bloquearam o futuro, ou pelo menos é o que parece.

A maioria das coisas que viamos era pura areia. Entre os vestígios de concreto que a morte deixou, sombras atômicas marcavam o cenário, provavelmente ali perto um cogumelo teria explodido, uma vez que as pessoas mais próximas da explosão da bomba, desintegraram-se por completo, deixando apenas marcas negras no chão contendo alguns átomos de sua existência, literalmente, eram pessoas reduzidas a pó! Um pó escuro, representando a treva em que haviam as lançado.

Precisavamos sobreviver, mas como isso ?? Não era tão simples quanto parecia, poderiamos sobreviver por um tempo dentro da cabine anti-nuclear, mas depois precisariamos comer e beber algo, as indústrias que retiravam água do subsolo não tiveram um destino diferente de todas as outras coisas. Nem sequer os supermercados.

A noite tinhamos um total contraste climático com o dia, ela era fria, congelante, a areia esfriava rápido e uma imensa treva se espalhava por tudo não havia um sequer ponto de luz, a não ser aquela lanterna de luz amarela que iluminava o nosso abrigo.

Durante uma dessas noites meu pai se sentou sobre o lençol amassado de sua cama, empunhando a lanterna na mão esquerda pediu com a outra mão para eu e minha mãe nos aproximarmos, ele contou sobre a guerra, ele nos contou tudo, ele confessou tudo para nós, naquela noite toda a família se abraçou e chorou. Pela manhã ao acordar percebo que minha mãe não estava presente na sua cama, gritei para meu pai que estava na parte debaixo da beliche, nada me respondeu. Inclinei minha cabeça para fora da cama, me equilibrando claro para não cair da beliche, e para minha aflição na cama de meu pai só estava presente o lençol amassado e sem arrumar. Os olhos se encheram de água, um frio na barriga tomou conta de mim, mãos trêmulas e um choro que não saia da garganta.

Com muita força, abri a porta do abrigo, eu queria gritar pelos meus pais, porém a voz não saía eu estava tomada por desespero, um choro vindo do horizonte me descongelou eu corri em direção ao grito e lá estava meu pai deitado sobre a areia, em uma de suas mãos possuia um fragmento de ferro, não sabia o que era, e não quis chegar muito perto, seus pulsos e sua jugular estavam cortados e nem mais sangravam, ele havia se matado. Minha mãe ao seu lado direito chorava e sacudia seu corpo desesperadamente, aquela cena fez com que lágrimas escorresem de meus olhos involuntariamente, eu estava em um estado de transe, passando diante de meus olhos uma balança entre as mortes que meu pai fora um dos responsáveis por causar e todas as coisas boas que ele já fez pela sua família, ao fundo uma névoa se aproximava, era uma tempestade de areia!! Eu pedi para que minha mãe voltasse ao abrigo, e ela não saiu do lado do corpo, eu puxei minha mãe pelos braços, ela era mais forte, e não saiu do lado do corpo, eu gritei e esperniei, eu não queria ficar sozinha naquele mundo, e minha mãe não saiu do lado do corpo.

Olhando aquela cena, eu desisti de tentar chamar minha mãe a névoa se aproximava e todos iamos morrer, mas se meus pais que eram para não desistir, já haviam jogado a toalha, o que eu estava fazendo ?? Meu pai se matou pela culpa de ter destruido a Terra, minha mãe se condenou a morte pela culpa de não conseguir impedir o suicídio de meu pai. Pensando dessa forma fechei meus olhos, desenhei em meu rosto uma expressão de fúria com vingança, gritei bem alto: "Sangue não se paga com sangue!! Fracos"

Dei as costas para minha família. Eu não os deixei morrer, eles que entraram dentro de suas covas e se enterraram, eu não ia morrer junto com eles, não vou desistir, eu gosto de viver, planejava levantar o nome de meu pai que estava afundado no sangue de inocentes, eu ainda tinha a esperança que restaram sobreviventes, peguei uma mochila coloquei os poucos suprimentos que restavam no abrigo, e parti na direção leste, pois lá é onde o sol nasce, e lá seria meu novo nascimento, não usaria mais sacrifício alheio como escudo, eu serei uma nova mulher levantada por força, esperança e determinação.

Após a chuva as flores nascem mais fortes, saudáveis, e bonitas, prontas para resistir as próximas tormentas.


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⏰ Última atualização: Oct 30, 2015 ⏰

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