O menino que sobrevive

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Mike estava sentado, encostado numa árvore, com os braços cruzados em cima dos joelhos, no lado um cano de plastico cheio de buracos pendurados pacotinhos de doces, estava muito quente até na sombra, os barulhos dos carros, gente falando, o vendedor ambulante gritando—Duas por dez, pulseiras artesanais com pedras místicas —Tudo foi ficando cada vez mais confuso, "e esse calor", Mike já não aguentava mais.

"Estava atrás da parede olhando através de um portal que dava pra sala de estar, em uma casa que não reconhecia como sendo sua, era bem mais bonita, estava escuro e a visão meio embaçada, a porta abriu com um barulho alto, um homem de casaco marrom caiu de costas pra dentro, atrás veio outro homem, feio com a cara que parecia uma fuinha. Parece que estavam brigando. Vinham gritos de fora da casa, uma mulher que ele achou ser sua mãe, entrou na frente com os braços abertos, o cara de fuinha mirava seu rosto a com uma vara que emitia uma luz pequena da ponta. O homem atrás de sua mãe pegou algo de dentro do casaco e atirou uma luz atingindo-o no peito, fazendo o invasor cair pra trás se contorcendo de dor. O homem olhou para Mike e falou algo, era seu pai, mas não ouviu nada da boca dele, todos sons cessaram, a imagem estava ficando cada vez mais borrada, seu pai olhou pra frente quando outras duas pessoas entraram na casa, uma figura que parecia ser uma mulher, jogou uma luz contra sua mãe derrubando-a de lado e um homem gordo e baixo atirou no seu pai, com o clarão Mike se virou. Tudo ficou escuro e agora só escutava o som de carros e buzina que foram ficando cada vez mais altos." Acordou com um salto, ofegante "foi apenas um sonho", o estanho era que não costumava dormir de dia, ainda mais num lugar como aquele, no chão à, beira da avenida encostado numa arvore "deve ser o calor" pensou Mike. A árvore era uma das maiores do centro da cidade, era grossa e bem alta, devia ter centenas de anos. Sentou ali pra descansar e se esconder do sol escaldante e acabou pegando no sono, era um menino pequeno pra idade, tinha dez anos mas parecia ter oito, era negro tinha o rosto fino, cabelos encaracolados, usava uma camiseta cinza desbotada e um calção da seleção brasileira de futebol bem velho, que era seu favorito, tinha ganhado na copa do mundo de 2012, e não tirava nunca do corpo, sua mãe falava que alguém tinha passado cola naquele calção.

Tentava vender doces durante as férias pra ajudar em casa, mas ninguém parecia interessado em comprar, as pessoas estavam muito ocupadas, a vida estava sempre corrida, andando muito apressadas de um lado pra outro, mal olhando quem estava no lado, sempre pra baixo ou mexendo no celular. Não tinham tempo de comprar doces.

Uma senhora de cabelos lisos de saia comprida, vinha andando rápido e segurava a bolsa contra o corpo tão forte que os dedos brancos pareciam que iam cair da mão, se bateu com um homem grande, bem alto, de chapéu, sobretudo cinza e sapatos pretos lustrados, ele vinha quase correndo, falava no celular tão alto que de longe dava pra escutar, era alguma coisa de uma reportagem sobre uma grande escola, do século XIX, parecia zangado. A mulher se assustou quase derrubou a bolsa e pediu desculpa pro homem que mal ligou pra ela, "se fosse eu que tivesse trombado com ela, certeza que tinha saído correndo ou gritado pra policia, pega ladrão" Aquilo já tinha acontecido antes.

Um homem de cabelos marrons, de meia idade, com um colete de lã azul e calça laranja, suava muito "também vestido com um colete de lã naquele calor" pensou Mike, olhava para os lados parecia com medo de ser assaltado. Um carro preto, grande e bonito, "provavelmente de uma pessoa muito rica", parou próximo a ele, Mike se levantou, pegou os doces e foi oferecer, mas antes que pudesse chegar perto o homem entrou no carro que imediatamente foi embora, não dando nem tempo de chegar perto.

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