Epílogo

180 13 1
                                    

  Seis meses depois.
O dia tinha nascido bonito naquele domingo de início de verão, o que tinha feito a maioria dos nova-iorquinos saírem para apreciar o sol que aquecia a cidade depois de uma semana de frio fora de época. Era Junho, e o verão tão temido e ao mesmo tempo tão esperado se aconchegava na cidade luz, dando início às novas atividades e às férias de verão de tantas pessoas. Naquela manhã, entre muitos daquela cidade, Charlotte tinha acordado se sentindo diferente. Tinha acordado ao lado de quem amava pela primeira vez de muitas que viriam. Estava radiante. Não se sentia embaraçada ao admitir que esperar tanto tempo para ele ser seu primeiro e único não tinha sido em vão. Ele fora doce e apaixonante do início ao fim, e agora ao andar do seu lado de mãos dadas tinha provado que aquela escolha tinha sido a única escolha certa que ela poderia ter feito.
- Hey. Bom dia. – Ele tinha sussurrado em seu ouvido uma hora mais cedo naquele dia. – Está acordada? – Perguntou com um tom divertido. A luz do sol invadia o quarto pelas brechas deixadas pela cortina, iluminando a garota enrolada na cama que dormia em um sono profundo. Assim que ouviu a voz dele, ela confirmou, com um resmungo, pois ao invés de acordar queria poder ficar na cama o dia todo.
- Infelizmente. – Ela reclamou, mas parou ao sentir os lábios dele percorrendo a curvatura do seu pescoço, lhe causando arrepios, e descendo pelo seu ombro e suas costas. Queria ficar ali com ele, mas aquele dia era importante e ela tinha feito uma promessa.
- Então se apronte para a gente poder passar na Starbucks antes de ir. – Ele sussurrou, e com um beijo na testa, a deixou sozinha no quarto para se arrumar.
Em poucos minutos já tinham saído de casa e comprado um café para cada. O terminavam de beber enquanto rumavam a pé para o cemitério da Igreja da Trindade. Falaram pouco durante o trajeto porque ambos sabiam que palavras em excesso não eram necessárias naquele dia.
Passando pelos portões já familiares, inconscientemente Charlotte apertou com força os dedos de Max contra os seus, indicando seu nervosismo. Em resposta ele a apertou de volta, transmitindo a tranquilidade que ele tinha sempre e que naquele momento ela precisava. Como se fosse instantâneo, ela sorriu, e então continuou caminhando por entre as vielas que eram poucas. O cemitério não tinha mais espaço para novas lápides, e George Healey só fora enterrado ali por causa dos antepassados familiares e por ser um herói do Estado. Um herói morto, todos pensavam, mas ainda assim um herói, porque tinha sacrificado sua vida em troca de salvar centenas de outras almas. Era rápido caminhar pelo lugar, então logo se estabeleceram em frente ao túmulo de mármore já familiar para os dois. Charlotte o fitou e então se virou para Max, que sorriu fraco de volta a encorajando com a cabeça. Ela concordou e se curvou para depositar o belo vaso de lírios que tinha comprado no caminho, o tipo de flores que sua mãe sempre comprava quando visitavam o lugar.
Ajoelhando-se com cuidado aos pés do túmulo, teve suas costas guardadas pelo namorado que observava tanto ela quanto o mármore em silêncio, fazendo sua própria oração.
- Olá papai. Feliz aniversário. – Murmurou baixinho, não tendo certeza se Max estava a ouvindo também. Não importava, a única pessoa que precisava ouvir estava a ouvindo com certeza. – Espero que goste das flores, são as favoritas da mamãe. – Comentou como quem puxava assunto. – Você sabe que é uma promessa estar aqui todo ano, e eu nunca quebraria essa promessa. – Ela respirou fundo. – Eu vim te agradecer por tudo. Eu sei que você não está aqui com a gente, mas aonde quer que você esteja eu sei que esta fazendo de tudo para nos proteger. Obrigada por cuidar da mamãe enquanto eu não pude, e obrigada por manter o Will forte o suficiente por ela. Ele tem sofrido muito desde que você se foi, mas ele faz o seu melhor. Não poderia ser um irmão melhor. – Ela riu baixinho. – Um dia vamos poder nos encontrar de novo, eu sei disso. Eu sei que enquanto a fé de todos tinha desaparecido, você me protegeu e cuidou de mim, eu sei que aonde quer que eu vá você vai estar comigo. Obrigada por ter iluminado o caminho do Max ate mim quando ele se perdeu na escuridão, eu sei que sem você ele nunca teria tomado mesma decisão. Eu imagino que deve ser difícil para você ai de cima às vezes assistir a sua garotinha sofrer, mas saiba que eu estou segura e feliz. A partir do momento em que você partiu, esse garoto tornou-se a minha vida, meu ponto de apoio, meu lar, e saber que de alguma forma foi você quem o mandou para mais perto de mim me faz mais feliz e segura ainda. Apesar dos caminhos tortuosos estamos juntos nessa, e quando eu penso em você, eu não fico triste. Eu sinto sua falta mais do que ninguém imagina, mas vamos nos reencontrar, e enquanto houver luz por onde eu andar, eu sei que é você me olhando dai de cima e me dizendo para onde ir. – Sua respiração se intensificou de novo e ela se abaixou um pouco. – Eu te amo, papai. Não se esqueça disso, e por favor nunca deixe eu me esquecer.
Abaixou-se, e lentamente deixou os lábios tocarem o mármore frio. A respiração profunda só foi capaz de impedir as lágrimas por algum tempo, mas logo elas estavam escorrendo pelas maçãs do rosto, deixando um rastro úmido por onde passavam. Se levantou e logo foi circundada pelos braços fortes do namorado, que a apertou firme contra o corpo, a acalentando e secando as lágrimas com a ponta dos dedos.
- Eu sinto falta dele. – Ela murmurou quando ele pendeu seu queixo sobre o ombro dela, colando seu rosto ao dela.
- Eu também. – Mas ele sabia que o que sentia não era nem um quinto do que ela sentia, por isso não sentia o direito de falar nada.
Mais silêncio se seguiu, e por mais longo que ele fosse, ainda assim era confortável. Mesmo estando ali, Charlotte não estava triste. Se sentia pronta para enfrentar o que quer que viesse, pois para ela tudo parecia certo naquele momento. Os dois ficaram ali parados, apertados um contra o outro, apenas fitando sem fixação o túmulo e por mais que quisessem estender aquele momento ao máximo, e soube que era hora de ir.
- Acho melhor a gente ir. Marcamos para daqui a pouco. – Ele resmungou e ela concordou com um aceno de cabeça.
Saíram juntos de mãos dadas, e lutando contra o desejo, Charlotte não olhou para trás. Não era preciso quando sabia que seu pai estaria com ela por todo o caminho. O casal conversava durante o caminho sobre assuntos comuns, evitando, ou quem sabe só protelando, mencionar a noite que tinha passado. Ela gostaria de gritar aos quatro ventos o quanto se sentia bem, e o quanto o queria cada vez mais. Ele transbordava orgulho de si mesmo, mas admitiria se perguntassem que ainda estava anestesiado em relação a tudo o que tinha acontecido de Janeiro até ali. Era utópico, romântico, bom demais para ser verdade. Jamais imaginaria que se sentiria daquela forma. Ela jamais imaginava que o que sentia em sua imaginação poderia ser dez vezes melhor quando se tornava realidade.
Em vinte minutos já estavam na calçada da The Meatball Shop da rua Stanton, lotada como sempre. De longe, Max pode ouvir os gritos de Zach que berrava, sinalizando sua presença e dos outros da onde estava sentado em uma das mesas do lado de fora do restaurante. Charlotte escondeu o rosto nas costas do namorado, envergonhada com o jeito do amigo, enquanto Max ria. Acenou de volta e viu que do lado de Zach, Eve repetia os gestos de Charlotte usando um cardápio.
- Esse garoto me mata de vergonha. – Ela reclamou, e por leitura labial Charlotte entendeu e concordou dando um risinho. Mais algumas passadas e eles chegaram até a mesa que os amigos dividiam também com Landon.
- E então, como foi no cemitério, casal do ano? – Eve perguntou depois de guardar o cardápio.
- Foi tudo bem. – Char deu de ombros, porque não saberia mais o que falar sobre o momento íntimo que apenas seu melhor amigo entenderia.
- Onde estão os outros? – Max perguntou se sentando de frente para Zach depois de cumprimentar todos na mesa.
- O Harry e a Jess foram ao banheiro. – Zach respondeu. Os recém-chegados pararam de fazer o que estavam fazendo e o olharam na mesma hora. – Já faz quinze minutos. – Completou com um sorrisinho pervertido no rosto e não demorou muito para todos explodirem em risadas e exclamações de choque. Até que Max notou que Landon não ria como os outros.
- Que cara é essa, Landon? – Perguntou dando um tapinha na perna do melhor amigo que parecia mais desanimado que bingo de idosos.
- Nada. – Murmurou, fitando o guardanapo que enrolava nos dedos.
- Nada. – Eve repetiu com uma careta. – Ele está com saudades da Melany e não quer falar. – Ela resmungou se ajeitando na cadeira.
- Dude, faz três dias que ela foi para pra Londres. Não três meses. – Zach o repreendeu. – Você deveria aproveitar esses dois meses de liberdade e fazer o que não pode quando ela está aqui! – Ele exclamou com um sorriso abrindo os dois braços e logo estava sendo estapeado pela namorada. – AI! AI! Tudo bem, eu retiro o que disse! Eu nunca comemoraria ficar longe de você, Eve meu amor. – Ele sorriu amarelo. – Mas Landon, você tem que comemorar que a Mel vai voltar das férias com os pais dela, e vai ficar aqui perto de nós. E a Jess que inventou de ir pra Milão? Como você acha que o Harry vai ficar o ano inteiro? – Ele introduziu o assunto que ainda era delicado para todos ali. – Ainda mais na seca. – Cochichou e Eve o estapeou de novo.
O último ano letivo deles tinha acabado de terminar, e junto com as esperadas férias onde eles teriam todo o tempo para passarem juntos, chegaram as cartas de admissões das universidades. Já era previsto que nenhum dos quatro garotos entraria na universidade, afinal eles tinham acabado de assinar um contrato com uma gravadora local que os ajudariam a produzir o primeiro álbum em estúdio. Era um grande passo, e como Harry dizia "desde quando músicos precisam de diplomas?". Mas as garotas tinham um dilema pela frente para enfrentar: Ficar longe deles ou ficar longe do futuro delas?
Jess não tinha hesitado nem um segundo sobre essa questão, mesmo que gostasse de verdade de Harry e amasse suas amigas. Tinha ganhado uma bolsa integral de Moda em Milão e a agarrou com unhas e dentes assim que seus pais disseram o tão esperando 'sim'. Agora, ela passaria os próximos quatro anos sofrendo jet leg ao ir e voltar da Europa em todos os feriados possíveis para ver os amigos e o – finalmente assumido – namorado.
- O que é que vocês estão ali falando de mim? – A voz de Jess foi ouvida quando ela pisou na área externa do restaurante com Harry em seu encalço.
- Você quer saber a parte que falamos do seu apetite sexual insaciável a ponto de arrastar o coitado do Harry para o banheiro ou da crítica do Zach à sua decisão de ir para o outro lado do mundo e nos deixar aqui? – Eve perguntou diretamente e recebeu o dedo do meio de Jessica em resposta.
- Nos falamos quando eu voltar parlando italiano. – Ela ergueu o nariz ao se sentar do lado de Char, fazendo Harry tomar o último lugar na mesa ao lado de Zach. Todos a zombaram e depois deram mais algumas risadas.
- De qualquer forma, eu só preciso de uma hora e meia para chegar até o meu namorado quando eu tiver vontade de vê-lo. Chupa essa, loser. – Eve a alfinetou, e enquanto Zach implicava com oHarry, Jess mostrou os dentes para a amiga.
Mais simples do que Jess, Eve tinha conseguido uma vaga honrosa de Jornalismo na famosa Penn State na Pensilvânia, a quatro horas de distância de Nova York de carro e uma hora e meia de trem. Zach disse que estava bem com isso, e mesmo que não pudessem se ver todos os dias, já era melhor do que ter um oceano entre eles.
Agora se entretendo com o potinho de açúcar, todos notaram a tristeza de Landon. Melany era a mais nova caloura de Medicina da NYU. Mesma cidade, mesmo bairro, ele teoricamente não teria com o que se preocupar. A não ser com os livros que agora tomariam o tempo todo da namorada, futura pediatra. Talvez esse motivo deveria o deixar mais para baixo do que os dois meses de viagem pela Europa que ela tinha tirado com a família.
- Ela vai voltar, cara. Disso eu tenho certeza. – Westman o consolou e atraiu a atenção de todos na mesa.
Não era difícil que eles chegassem ao mesmo pensamento: O medo que tiveram quando a incerteza de que Charlotte poderia não voltar os atingiu. Seis meses depois, todo aquele pesadelo parecia tão distante que poderia não ser verdade. Mas sempre existiriam marcas para atestar a veracidade de 17 de Dezembro. A sombra de culpa que preencheu o fundo dos olhos de Max logo foi espantada quando por debaixo da mesa, Charlotte buscou sua mão ele e entrelaçou seus dedos, o segurando firme em seu colo. Eles trocaram um olhar cúmplice que faria qualquer um ao redor suspirar e buscar incessantemente um ser humano para dividir uma cumplicidade como aquela, e ele a envolveu com o braço, voltando a conversar com o grupo. Jessica os observava, pois ainda se sentia curiosa com tantos segredos que o casal compartilhava e que se recusava a contar. Os outros já tinham desistido de entender, e às vezes ela tinha certeza de que eles viviam em seu próprio mundinho, e todos os outros eram apenas intrusos. Max e Charlotte eram um dos raros enigmas que uma pessoa tem o prazer de conhecer na vida – e a necessidade de querer desvendar – mesmo que o esforço seja em vão. Para os amigos, se eles vivessem um milhão de dias, nenhum seria igual ao outro. Possuíam um certo tipo de amor infinito. Como Victor Hugo dizia, "a medida do amor é amar sem medida". Por isso é um amor pobre um amor que se mede. Eles nunca o mediriam.
Então o almoço passou rápido e o clima triste que antes pairava foi embora tão rápido quanto o sol que tinha aquecido o dia tão confortavelmente. Os sete tiveram que interromper a tarde animada para se abrigar da chuva que começou a cair, e a conversa teve que ser adiada quando todos decidiram ir cada um para sua casa passar o restinho do fim de semana vendo pela janela as gotas caírem e molharem os pavimentos.
Char permaneceu o resto do dia encolhida ali no calor dos braços dele, naquele sofá que já acumulava tantas lembranças e ainda tinha espaço para muitas outras. Podiam fazer ou dizer qualquer coisa, trazendo risadas e romance à tona, ou podiam apenas ficar em silêncio, absortos em pensamentos, que nunca se incomodariam. Como já dizia um escritor, "a amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz". O amor torna isso apaixonante e acalentador. Torna isso entendível.
- Sabe quando você correu um quilômetro inteiro para me impedir de ir para Vermont? – Ela quebrou o silêncio de repente, despertando Max de um devaneio bom sobre os dois. Ele concordou com a cabeça, visualizando exatamente a cena vivida seis meses atrás.
- O que tem aquele dia? – Perguntou curioso, se ajustando embaixo dela no sofá, curioso sobre o que ela queria dizer.
- Eu já tinha decidido não ir. Só quis te ver implorar um pouquinho mais. – Ela deu de ombros com um sorrisinho, e quando Max arregalou os olhos e abriu a boca, ela soltou uma gargalhada gostosa. Nunca tinha admitido aquilo, mas tinha adorado vê-lo sofrer um pouco do que ela tinha sofrido por tanto tempo.
- Você é uma tratante! – Ele protestou, sem palavras para se exprimir. Ela riu de novo e se virou de lado para dar um beijo rápido em sua boca, como um pedido de desculpas. Ele virou o rosto, fazendo uma expressão dura de quem não perdoava, não sendo levado a sério pela garota. Ela sorriu confiante e se encaixou novamente nos braços dele mesmo que estivesse sendo "rejeitada". Ele não pode evitar. Max soltou o ar, e retirou o cabelo dela da nuca, deixando descoberta a simples cicatriz que ficara ali desde sete meses atrás. Uma marca que faria que as más memórias de Dezembro, seguidas pelas boas de todos os meses, permanecessem para sempre. Depositou um beijo com carinho ali e apoiou a testa nos fios de cabelo soltos dela.
- Eu te amo mesmo assim. – Sussurrou no ouvido dela, trazendo um sorriso enorme aos seus lábios na mesma hora.
- Eu também te amo. – Ela respondeu, apertando suas mãos nas dele e então se virando para ficar totalmente de frente. Roçou seu nariz no dele e inclinou-se para tocar-lhe os lábios de leve, logo sendo retribuída com um beijo cheio de significado. Sentiu seus sorrisos se tocarem, e espalmou as mãos no peito dele, protelando aquele momento. – Para sempre? – Perguntou, sabendo que em seu coração a resposta sempre seria positiva.
- Para sempre. – Ele concordou, envolvendo-a com seus braços, e agradecendo mais uma vez por todas as escolhas que tinha feito o terem levado até ali.
Sabia que a vida é a soma das escolhas que um ser humano faz. Por isso que suas escolhas o tinham levado até ela. Porque ela era – e sempre seria – a sua vida.

FIM.

December 17thOnde histórias criam vida. Descubra agora