QUANDO CHEGO EM CASA, o milagre aconteceu. Verônica e suas mãos de fada já haviam passado por lá. Ato subsequente: acho meus tênis, meu relógio de pulso, o saleiro da cozinha e meu pincel de fazer barba. Fico extremamente grato, preciso muito de todas essas coisas. Se ela continuar assim, talvez eu lhe dê um aumento.
Nos dias seguintes, procuro deixar a casa arrumada, pois ficarei uma semana fora e não quero nenhum resto de comida apodrecendo atrás do sofá. É difícil, mas dou conta do recado. A dor interna pelo meu fora já amenizou. De mais a mais, há seis meses que eu e Angelina já estávamos separados. Minha atitude naquela festa se resumiu a uma última cartada. O jeito, agora, era seguir em frente. Tudo o que restou foi a lembrança de um romance rápido, tórrido, maluco... que me marcou profundamente. Mas seu fim me parecia justo. Justíssimo.
Parto para São Paulo numa segunda-feira às seis horas da manhã. O seminário começará exatamente às nove. Mesmo contrariado, Arthur me leva ao aeroporto. Assim que chego na capital, passo no hotel para despachar a mala. Minha primeira impressão é de desapontamento. Reparo que é um hotel 3 estrelas, no centro de São Paulo, nada muito luxuoso. Decepcionado, passo os olhos pela fachada desbotada. Avisto um prédio cinza de mais ou menos dez andares. Respiro fundo e subo as escadas. À direita, na entrada, vejo um balcão de madeira e atrás dele uma linda recepcionista. Ela me olha e sorri. Sorrio de volta para ela. Há também um tapete marrom que vai até o elevador. À esquerda, avisto o que me parece — a julgar pelo barulho de talheres tilintando — a passagem para um pequeno restaurante. Isso me lembra comida-sem-louça, o que me deixa um pouco mais animado. Aproveito para, depois de fazer o check in, tomar o café da manhã do hotel. Devido a um número expressivo de jovens hospedados, o ambiente está meio barulhento. Por mais que eu tente, não consigo me concentrar nas notícias de esportes enquanto navego no celular, como faço sempre pela manhã. Então, desisto e pego um táxi para o congresso.
Passo o dia todo enlouquecendo de tédio com aquelas palestras maçantes. Meu chefe já sabia que não havia muito o que aproveitar e mandou-me mais por uma questão de network. E é o que faço. Distribuo sorrisos, converso com todos e troco cartões. Quando a missão já está cumprida, retorno para o hotel, agradecido. Alguns caras me chamam para sair à noite, mas recuso dizendo que estou cansado. Não é mais a minha praia — aquela efervescente agitação mundana. Chego ao hotel com a esperança mínima de lá encontrar uma academia meia bomba e por isso vou direto até a recepção.
— Temos uma sala com esteiras no terraço — informa a recepcionista, extremamente atenciosa comigo. Percebo que não tem mais do que vinte anos. — Posso acompanhá-lo até lá, se desejar... —sorri oferecida para mim.
Reprimo uma risada e desencosto do balcão. Se fosse em outros tempos, essa belezinha estaria lascada.
— Não precisa — declino, pegando a chave do meu quarto. — Vou dar uma passada no quarto antes.
— O senhor já sabe onde fica o quarto? — ela insiste, me fazendo frear ao dar o segundo passo na direção do elevador. Fecho os olhos e ponho a mão na consciência. Depois, viro-me cordialmente e respondo: — Já sei sim, obrigado. — E continuo marchando tenso para o quarto.
Nunca imaginei que ser cristão seria fácil e, logo no início, pude ver claramente o quanto não seria. Situações como essa sempre acontecem comigo. Garotas mais novas são massa de modelar nas minhas mãos, e as mais velhas também. Em geral, eu oscilava entre uma e outra.
Antes.
Hoje esse tipo de comportamento feminino me causa certa repulsa. Não há desafio com mulheres fáceis demais. Paro na fila do elevador, ansioso para subir e trocar logo de roupa, torcendo para terminar aquela noite melhor do que fora o dia. Mas assim que a porta abre, prendo a respiração ao ver quem aparece diante de mim: Ana. Bem mais informal do que da última vez que nos vimos. Seu cabelo está preso em um rabo de cavalo frouxo, ela veste uma regata branca com uma blusa xadrez em tons de verde sobreposta, uma bermuda jeans que vai até os joelhos e um All Star bem surrado de cor cinza. Ao levantar os olhos e me ver, seu sorriso faísca.
— Alderico? — Ela une as sobrancelhas. — O que faz por aqui?
— A trabalho — respondo, cumprimentando-a com um beijo no rosto enquanto a porta do elevador se fecha. — E você? — pergunto sorridente. — O que faz por aqui?
— Missões — ela encolhe os ombros.
— Pelo visto, você realmente viaja muito — comento, satisfeito com a surpresa de revê-la. — Vai jantar agora? — aponto para o restaurante.
— Vou jantar fora daqui... — Ana enfia os polegares nos bolsos. — Chegou bem em casa naquela noite?
Balanço a cabeça afirmando que sim, ainda tentando processar o fato dela estar ali na minha frente e lembrando-me que sonhei com ela por duas noites seguidas, como se fosse um déjà vu. Olho vagamente para o balcão, a recepcionista nos fuzila com os olhos.
— Onde pretende comer? — pergunto, animado por ter alguma companhia. — Quer dizer, se for sozinha acho que posso te acompanhar.
Ana me avalia por um segundo e depois olha para a porta do hotel, onde percebo alguns estudantes nos espiando.
— Estou com eles —me avisa, pensativa. — Mas pode vir com a gente, se quiser... — oferece de repente.
Nesse momento, a porta do elevador se abre e outro grupo de jovens passa por nós, cumprimentando Ana. Uma menina lhe entrega uma Bíblia. Ela agradece, pois havia esquecido a sua no quarto.
— Está com um grupo grande — comento, decidindo se vou com ela ou se me exercito como planejado, mais inclinado a acompanhá-la, confesso. Porém, a plateia de estudantes me desanima um pouquinho.
— Vamos para a casa de um missionário que mora aqui em São Paulo, estudaremos a Palavra e depois haverá um churrasco — ela informa.
— Agora ficou mais interessante — falo sorrindo.
— Pela Palavra?
— Pelo churrasco.
Ana ri.
— Então, vem comigo. Querendo ou não, vai matar as duas fomes.
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ENTRE A MENTE E O CORAÇÃO
SpiritualRico sempre foi um cara com muitas facilidades. Lindo, charmoso e inteligente, sempre conseguiu tudo que desejava até sofrer o seu primeiro grande baque amoroso. Ao perder Angelina, ele deseja recomeçar a sua vida do zero, com uma mudança completa...