Capítulo 1

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                                                                                            PARTE 1

    O amor só é lindo quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que poderíamos ser.

                                                                                           Mario Quintana




CAPÍTULO 1

    — QUER SE SENTAR UM POUCO? — Pergunta a garota, com uma voz amistosa.

    Respiro fundo e pressiono os dedos contra os olhos, para disfarçar as pálpebras molhadas.

    — Pode ser — consinto, ainda olhando para cima.

    Ouvimos um champanhe estourar ao longe. Minha boca está seca. Fico pensando se conseguiria uma taça.

    — Então... Você é o famoso Alderico? — ela diz, sentando-se na grama.

    Volto os olhos para ela,um pouco confuso. Como me conhece? Ela está de vestido longo exatamente como as outras convidadas, apesar de não usar nenhuma maquiagem. Mas não pensa duas vezes antes de tirar os sapatos e cruzar as pernas no chão.

    — Não prefere as cadeiras? — pergunto, quase rindo, apontando para as mesas. — Seu vestido ficará arruinado.

    Ela olha para mim e ri, sem responder, e eu entendo perfeitamente por quê. Já devo estar parecendo um trapo para um evento tão alegre como esse. Além dos olhos provavelmente vermelhos, minha cara também não deve estar das melhores. Concluo que é melhor eu ficar mesmo isolado. E, para falar a verdade, eu nem ao menos conheço bem os noivos. Que beleza! , penso eu, desanimado, sou quase um penetra e acabo de levar um chute na bunda. Mortificado, tiro a parte de cima terno, puxo as calças nos joelhos e me sento ali com ela, à luz da lua prateada.

    — Não sei se sou famoso, mas meu nome é Alderico — digo, olhando-a de relance com um sorriso afetado no rosto. — E você? Por acaso é meu anjo da guarda? Pois se for, confesso que estou precisando dos seus serviços.

    — Ana — ela diz, rindo e estendendo a mão. — Muito prazer. Mas por que vai precisar desses serviços hoje? Está pensando em fazer alguma besteira? Me avise se eu precisar chamar os reforços...

    — Talvez precise... — brinco, sorrindo, e olho para trás para conferir as luzes da festa.

    Não posso negar, o tal velho homem às vezes crava suas garras na superfície da minha mente, tentando emergir. Eu quero beber, fazia tempos que não queria, mas nesta noite eu bem que quero tomar um porre. Pensava que, quando me convertesse, certas vontades desapareceriam automaticamente. Mas, pelo visto, não é assim que a banda toca. Mesmo assim, não tem jeito, os pais dos noivos são cristãos conservadores e não vejo nem uma taça de vinho — algo que eu ainda me permito — circulando pela festa. Olho para Ana e pergunto:

    — Quer beber alguma coisa? Posso pegar alguma coisa pra nós dois...

    Ana franze o cenho e olha na mesma direção, por cima do ombro, seu cabelo fino esvoaça livre na brisa. Reparo como seus traços sãofortes.

    — Pode ser, mas nada com álcool — ela ressalta e se vira para a grama.

    Frustrado, percebo que nem ao menos arrumei uma cúmplice. Dividir a culpa é sempre um santo remédio.

ENTRE A MENTE E O CORAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora