Capítulo 4

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"Eu ando. Ando por uma rodovia vazia, cujo nome me fugiu. As árvores por perto não mexem mais, pois o vento também parou. Mesmo assim o frio começa a se instalar pela estrada, brando, sereno e tranquilo. Não sinto meus dedos, constantemente flexiono as pontas dos dedos para cima e para baixo. Ainda doem... Merda. No fundo, bem no fundo, começo a ouvir barulho de carro. "Finalmente" penso. Quanto mais eu ando, mais próximo o barulho chega, até o carro passar por mim. Películas escuras nos vidros e o cinza gelo na lataria. O carro me lembra meus pais. Eles tinham um igual a esse. Me assusto com o som dos pneus derrapando no chão, e fico perplexo ao ver o carro capotar três vezes, até estar tombado na grama do lado da rodovia. Corro. Corro o mais rápido possível, no intuito de ajudar as pessoas que estavam dentro do carro. Com dificuldade olho o rosto pálido e ensanguentado do motorista morto e ao lado uma mulher morta também... Eram os meus pais".

Acordo. Meu corpo sustentava milhões de gotículas de suor, assim como meu cabelo molhado. "Que porra foi essa?" pergunto a mim mesmo. Pensei que meus sonhos já tivessem parado. Frequentei algumas vezes meu psicólogo, para não sonhar mais com meus pais. Por minutos fico estático, encostado na cabeceira da cama, perguntando se tudo isso iria começar novamente.

Levanto e ando até o banheiro onde tomo banho. A água fria bate em minha pele retirando o suor. A sensação da água se chocando contra minha pele é arrebatador. Tento não chorar, tenho que ser forte, não posso passar por isso outra vez. Quando desligo o chuveiro, me seco e voltou novamente ao meu quarto.

São sete horas da manhã. O céu de Seattle, como de costume em outonos, está acinzentado. Visto minha roupa de malhar e meus tênis de correr. Escrevo um pequeno recado para Lucy;

Fui correr. Chego às nove horas. Podemos ir juntos à faculdade. Beijos.

Deixo o bilhete na bancada da cozinha. Coloco meus fones de ouvido e saio.

Mesmo sendo cedo, a avenida Bancher começa a ficar congestionada. Americanos saem de suas casas, pregando que "tempo é dinheiro". Por várias razões tenho que concordo com isso também.

Não corro todos os dias, era um habito que eu havia adquirido, apenas quando ia ao psicólogo. Lembro-me exatamente de seu conselho "Pratique exercícios, tente gastar energia com algo que possa distrair você". Até me inscrevi em uma aula de autodefesa, mas não consegui ficar por muito tempo. Lucy me aconselhou a fazer aula de tiro, mas nunca fui de propagar a violência, entretanto, fiz duas aulas e parei. Pensando, nunca terminei algo que realmente fosse bom para mim, sempre me preocupava com a faculdade, com meu irmão, e com a correria de ter uma vida sem os pais, comecei a deixar um pouco de praticar coisas que eu gosto.

Ao final da avenida, há uma estrada mais calma. Viro à direita. Alguns prédios antigos fazem a vista do bairro. Não há tantas pessoas na rua. Continuo correndo. Em meus fones a música I Put a Spell on You da Annie Lennox toca, me motivando a correr. Gosto dessa música.

Olho para trás, e percebo, rapidamente, que havia um cara correndo atrás de mim. Corro um pouco mais rápido virando à esquerda, porém o mesmo continuar a ir em minha direção. Não dava para ver seu rosto, pois a toca de seu moletom cobre quase todo o perímetro facial, deixando apenas visível a mandíbula. Movimento minhas pernas um pouco mais rápido, e entro por algumas vielas do barro de Seattle até estar convicto que o homem que estava atrás de mim não estivesse mais.

Volto ao mesmo caminho que corria. Viro a direita e dou de cara com o homem que estava correndo atrás de mim. Fico estático e sem folego. Era evidente a medo em mim.

Luxury (Romance gay) | Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora