Não tenha medo

Capítulo 1 - Weekly

Não precisei nem abrir os olhos para saber que cheguei em Vancouver, a voz do piloto sobre o microfone se espalhou pelo avião sinalizando nosso voo de sucesso. Virei para Melanie que estava eufórica e não parava de falar um segundo sequer. Depois de passar minutos esperando por nossas malas, nos encontramos com nosso instrutor a que fomos apresentadas informalmente pelo skype.   Paul aparentava ter seus sessenta e poucos anos, seus fios de cabelo tingidos quase já não estavam mais lá, mas seu humor me parecia incontestável. Enquanto ele dirigia para nos levar ao Campus eu ia observando o Canadá pela janela do banco de trás, as gotas de chuva batiam sobre o vidro e escorregavam feito lágrimas, era um dia triste, o que não combinava nem um pouco com a minha felicidade não impressa no rosto. As ruas eram enfeitadas por pinheiros e casas semelhantes as de boneca, as cores de cada uma delas conversavam entre si transformando um ambiente harmonioso.

- Que tal uma paradinha ali?

Olhei para Melanie e vi que ela apontava em direção a um Outlet Premium que por sinal me deixou empolgada, balancei as mãos de entusiasmo e minha amiga respondeu com um sorriso de canto de boca.

- Que tal deixarem as compras para outro dia? Não sei se já foram informadas mas vocês tem autorização de entrar e sair do campus quando quiserem, contanto que não interfira nas aulas.

Ficamos tão animadas com a notícia que esquecemos da ideia, afinal teríamos todo tempo do mundo, ou quase isso, para sair por ai. Quando o carro parou e eu voltei o rosto para janela a ficha caiu, agora eu teria outra vida.

O Weekly era enorme só de olhar por fora, haviam estudantes esparramados no enorme gramado da frente, a maior parte em círculos com seus respectivos grupinhos. Alguns ficavam sentados perto do portão de acesso lendo e tomando café enquanto outros estavam encostados em muros ou espalhados,uma espécie de Gossip Girl com Skins, exatamente como nos filmes americanos. Paul começou a citar algumas das regras do Campus como ''é proibido sair por ai após o toque de recolher'' ou ''não é permitido demonstrar afeto publicamente.'' Essa última era uma regra meio estúpida considerando os casais a minha volta, que por sinal aparentemente não estavam nem ai para elas.

Logo depois fizemos uma espécie de tour pelas extremidades que pareceu durar uma eternidade já que Melanie fazia umas cem perguntas a cada canto que o Paul nos levava. A universidade era consideravelmente grande e muitos dos seus edifícios pareciam miniaturas do castelo de Hogwarts, no centro de tudo ficavam algumas comodidades como lanchonetes ou lojinhas. Alguns veteranos estavam perto de uma caixa de som monitorando a música no local e bebiam chopp. Ótimo café da manhã. Identifiquei a música, era ''My Sharona'' cantada por The Snack, se não me engano foi da trilha sonora de Super 8. Antiga.

- Será que a gente podia pular algumas partes? - Perguntei para o Paul. Queria muito conhecer tudo o mais rápido possível e me sentir familiarizada, mas estava cansada o suficiente para pensar em alguma coisa, minha mente estava exausta e meu corpo clamava por um bom banho.

- Oh, claro! Já terminamos por hoje.

Havia uma moça jovem no final de um dos corredores próxima a um elevador, seus olhos eram negros e seus cabelos na altura do ombro faziam leves cachos nas pontas. Paul nos passou para a Srta. Strawberg como indicava no seu crachá e disse que voltaria no dia seguinte para verificar se estavamos acomodadas. A moça nos entreolhou mas logo deu um sorriso de canto de boca e eu retribui.

- Então meninas, eu sou Elisa Strawberg. Vou acompanhar vocês nesses primeiros dias. Vocês são...?

- Ahm, essa é a Melanie e eu me chamo Beatriz. Prazer.

Elisa Strawberg seguiu em direção ao elevador e fez um gesto para que a seguíssemos, quarto andar.

O dormitório no Weekly era bem simples, duas beliches, uma em cada canto da parede creme, um guarda-roupas, um gaveteiro e uma mesinha de estudos. Os móveis eram todos revestidos em madeira e havia uma janela que dava de frente a um jardim ostentando tulipas, que me fez lembrar o verão do ano passado, quando fiz uma viagem a Holanda com mamãe. Meu irmão não pode ir por conta de um teste que ele faria para jogar no Flamengo e papai estava em uma de suas viagens em alto mar. O Garden City certamente era o jardim mais lindo que existia, e ali passei meus últimos bons momentos ao lado de mamãe, quatro meses antes dela descobrir o câncer em seus pulmões. Quando foi descoberto, o câncer já estava num estágio avançado e ela veio a falecer num hospital no centro do Rio de Janeiro.