CAPÍTULO 5

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ENJOY...

Beatriz...

São Paulo é uma cidade que intimida pelo seu tamanho, porém sua magnitude nos fascina... A falta de segurança é pauta em todos os jornais, mas considerando que esse problema não é exclusividade da cidade, pois assim como aqui, a falta de segurança acontece em qualquer lugar do mundo, acabamos nos adequando e nos moldando, na prevenção e cuidados para nossa autodefesa.

Porém nesses dois meses que vivi como cadeirante, acabei sofrendo muito mais com a falta de acessibilidade e estrutura, da cidade, do que com a preocupação com a segurança. Sofri com o acesso a lugares públicos, sem contar o transtorno para se conseguir locomoção com o transporte público. Chegava ser quase uma maratona e desgaste... Doeu dentro de mim, pensar que milhares de pessoas encaram essa realidade por uma vida. Ser cadeirante não impossibilita ninguém a querer seguir em frente, o que impossibilita são os obstáculos e desrespeito que o ser humano tem com portadores de necessidades especiais.

Poderia enumerar situações constrangedoras que encontrei por esses meses, como calçadas esburacadas, falta de rampas nas calçadas e assim por diante. No fundo acho que tive sorte e o privilégio por ter o Pedro e a Cida, presentes na minha vida como referência e como as duas pernas que me faltavam, quer dizer elas não faltaram, estavam apenas descansando e se recuperando da minha cirurgia na lombar.

Mais uma vez posso dizer que sou privilegiada, sei que preciso desvendar ainda memórias do meu passado, que foram sequestradas e escondidas numa gaveta dentro da minha cabeça.

Hoje pra mim o futuro é incerto... É uma porta que só poderei abrir, quando o passado me permitir. Por enquanto ele é uma ilusão, chega a não existir. Estou vivendo o presente tentando resgatar meu passado para poder seguir em frente. Não tem sido nada fácil, porém encontrei um grande aliado, o Parque Ibirapuera e nesse espaço onde a natureza grita vida, minha ilusão vem ganhando a cada dia que passa o sentimento de esperança... Morar a metros dele é como encontrar dentro da natureza um colo amigo, por todo o sofrimento que venho passando.

Sentada no fantástico assoalho da raiz do ceboleiro, minha árvore preferida do Parque, minha única companheira é à sombra do meu corpo. Essa tem sido minha rotina diária, meu cantinho de solidão, meu cantinho de reflexão, depois de toda a sucessão de tratamentos que venho me submetendo para minha recuperação, ainda ando com um pouco de dificuldade, faço acompanhamento semanal com um fisioterapeuta. É aqui que choro minhas frustrações, fico admirando os lagos do Parque Ibirapuera e a natureza fala comigo e me aconselha. Por dias fiquei na sacada do quarto do Pedro admirando o verdejando da cidade, algumas noites até sonhando acordada com a beleza das luzes. Demorei convencê-lo a me trazer ao parque, no começo ficava intrigada pela sua recusa e suas desculpas infundadas, ele queria me privar de algo que nunca consegui descobrir. E, a primeira vez que ele me trouxe, parecia mais preocupado com o que eu estava sentindo por estar na cadeira, do que eu estava achando da beleza da natureza rodeada pelo concreto da cidade. Nossa relação não é das mais intimas, ele é duro comigo quando se trata da nossa relação. Para ele sou apenas sua pupila, mas para mim, ele é muito mais que meu tutor. A Cida se tornou uma mãe, ela é minha referência feminina e por esse motivo acho que o Pedro, acredita que todas as minhas demonstrações de afeto por ele é confundida por mim como afeto paterno, mas como é que posso enxergar meu pai naquele homem que desperta em mim, fagulhas que só meu corpo sente. Minha pulsação quando estou perto dele acelera com expectativa, fico hipnotizada por seus olhos, posso desenhar com olhos fechados toda anatomia do seu globo ocular. Consigo vislumbrar nos seus olhos o reflexo do mesmo desejo que sinto, mas ele... Ah! Ele desvia seu olhar, não deixa eu ler o que eles querem dizer para mim.

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