Pedido de Socorro

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Bem, vejamos, por onde devo começar? Pela parte em que roubaram meu diário? Ou da parte em que começo a procurá-lo? Não, melhor. Vou começar dizendo quem fez isso. Meu ex melhor amigo, e reparem na ênfase no ex. O garoto que esteve do meu lado desde que eu era pequena, o garoto que foi como um irmão pra mim. Pelo menos era, não é mais.

Veja bem, eu tinha acabado de chegar na sala de aula. Ainda nem tinha batido o sinal, então peguei meu caderno de matemática e fiquei revisando o conteúdo. Então eu ouço um pigarreio, olho para a frente e vejo ele ali, de pé, me encarando.

E com ele, me refiro ao garoto mais lindo de todo o universo. A primeira e última bolacha do pacote. O anel, o precioso de Sauron. O cara que povoa meus sonhos.

David, o meu namorado da fantasia, com aqueles olhos verdes que poderiam fazer qualquer uma suspirar. Olhos que pareciam duas bolinhas de gude, sabe? Bolinhas de gude muito lindas. E ele tinha um cabelo loiro tão bonito, lisinho. Sempre tive vontade de passar as mãos nele.

Mas voltando ao X da questão, ele estava lá parado e eu fiquei boquiaberta, o admirando. Porque convenhamos, ele era lindo. E nos meus sonhos, ele era meu. Ele era meu, só não sabia disso ainda. E enquanto eu olhava para a boca dele, pensando em como seria nosso primeiro beijo, ele disse alguma coisa que eu deveria ter escutado. Algo como:

- Com licença, moça, mas você é uma tal de Kathe Lyn, não é? Porque me mandaram uma coisa em meu e-mail. E tipo assim, era o seu diário.

Só que na hora eu não consegui absorver as palavras. Ele estava ali, parado, como uma visão. O que ele estaria fazendo ali? David finalmente tinha percebido que eu era a garota dos sonhos dele?

Então ele se aproximou de mim e me tocou. Tudo bem, sacudiu, uma sacudida de leve. Mas foi a primeira vez que ele encostou em mim intencionalmente, e para quem teve no máximo um roçar de mão e ombro pelos corredores, ele me chacoalhando era demais.

Faíscas saíram pelo meu corpo. E foi nessa parte que eu forcei meu cérebro a trabalhar e voltei a ativa. Ele continuou falando e falando e eu tentando encaixar as palavras no meu cérebro. Diário. E-mail. E quando eu finalmente entendi e compreendi a gravidade da situação, eu gritei.

-Aaah!

O que mais eu podia fazer? O pobre do David ficou super assustado, e correu para fora para pedir ajuda. Minutos depois ele voltou com uma das tias da limpeza. Fiquei sem entender o motivo dele ter ido buscar ajuda e da mulher me oferecer um copo d'água. Eu não estava em crise de histeria, estava? Não responda!

Sei que não é muito maduro gritar, soluçar e chorar, mas o que você faria se soubesse que alguém teve acesso aos seus segredos mais obscuros e íntimos? É como terem a senha das suas redes sociais.

O sinal então bateu, o celular dele apitou, ele fez uma cara estranha e se mandou, com um:

- Hum... Então... A gente se fala depois.

Só que o depois não aconteceu. Passei três horários roendo as unhas de ansiedade e medo. Talvez fosse uma piada, certo? Uma zoeira? Apesar de ninguém mais além de Bryan -e agora David- saber da Kathe Lyn, meu álter ego.

O intervalo chegou, e entre me esconder e ter a chance de falar um pouquinho que fosse com ele, me vi o procurando.

Tentei me aproximar, mas ele estava rodeado de pessoas igualmente populares e aquilo foi um pouco demais. Eu até tentei, sabe, com um “Oi, David”, só que aí me olharam como se eu fosse um extraterrestre, o que eu provavelmente era.

Então ele, o cara dos meus sonhos, saiu de perto dos amigos com um “Eu já volto”, me pegou pelo braço e me levou até uma parede num canto. Igualzinho uma cena de um sonho que tive antes, mas ao invés dele me beijar ele simplesmente disse:

-Olha, eu li as primeiras páginas porque não sabia que era seu diário. Parecia um livro de comédia, se quer saber, até aparecer página atrás de página me descrevendo, o que foi bem estranho. Então li o corpo da mensagem, onde dizia que aqueles arquivos eram um diário seu. Não sei que brincadeira foi essa, mas prometo que não vou ler mais nada seu. E a propósito, espero que seu passarinho tenha sobrevivido.

Então ele virou as costas e me deixou ali, plantada. Eu passei o resto do intervalo pensando naquilo. Ele leu as primeiras páginas do meu diário. Sabia que eu achava que tinha problemas psicológicos. Sabia que eu detestava bacon, que uma calça minha furou na rua uma vez e eu tive que tampar com fita isolante preta, que eu quase matei o passarinho de casa e que eu gostava dele pra caramba.

E tudo que eu conseguia pensar era até onde ele leu. Porque se ele tivesse lido muito, saberia que eu o amava. Apaixonadamente e incondicionalmente. Que eu achava que ele era minha alma gêmea e coisa e tal. E saberia que eu tinha fotos dele preto e branco espalhadas pelo meu quarto. E foi só na educação física que pensei além.

Afinal, como ele teve acesso a tudo isso? Então me lembrei do que David havia dito, de ter recebido aquele diário por e-mail. Na saída, fiquei procurando por ele até que o achei, o que foi um mico. Ele estava do lado de uma garota loira lindíssima, e ela me olhou de cima a baixo como se eu fosse um inseto. E para acabar logo com aquilo, fui direto ao ponto e perguntei quem enviou aquilo para ele. Ao que ele respondeu:

- Foi aquele seu amigo, Bryan.

E agora estou aqui, sentada na cozinha, escrevendo tudo isso e tentando me acalmar. E claro, com uma faca na mão, esperando o desgraçado aparecer. Porque eu juro, matarei ele.

Alguém pode, por favor, me ajudar? Um socorro?

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