São cinco horas da manhã e o ambiente não poderia estar mais desanimador. O céu marchava a cinquenta, cem, quinhentos depressivos tons de cinza e a temperatura local deixava meus pelos do braço arrepiados. Minha cidade, fazendo frio. Nunca em milhões de anos esperei que isso um dia fosse se concretizar.
Não sei dirigir e, de quebra, quem quer que tenha estacionado ao meu lado também não já que deixou o carro parado igual o nariz. Ruim é pensar que meu automóvel fica entre uma parede de concreto e a única vaga para idosos/deficientes do local, tão grande quanto minha motivação para trabalhar justamente naquele dia. Peço desculpas a quem possa parar ali portanto alguma dificuldade motora e xingo quem me fez estacionar tão mal, ambos mentalmente.
Por ter colocado o carro no último andar – pois funcionários podem decidir entre uma garagem no térreo e lá –, tenho o privilégio de evitar de passar pela muvuca aeroportiona de sempre. Época de feriados sempre traz rapazes engravatados com maletas de couro e famílias com crianças e suas mochilas maiores que o corpo, sempre portando algum bicho de pelúcia, passearem pelos arredores do local. Não que eu não goste da muvuca; as vezes até chego mais cedo que o usual para passar lentamente e admirar o ambiente. O corriqueiro humano me faz sonhar, mas naquele dia não estava com o mínimo de paciência para sonhos, poesias ou pessoas num geral. E por falar em pessoas, não era possível tamanha movimentação - e tantas crianças com pelúcias - em um horário como aqueles. Como se a crise não tivesse atingido esse país em cheio...
Entro no ambiente mais rápido do que o habitual. Agradeço à alguma força divina, porque por mais que eu goste do trajeto até o local de trabalho, no dia de hoje acordei fenomenalmente sem paciência alguma para absolutamente nada. Este não é dos meus mais comuns humores, nem dos mais aceitáveis. Ser tão impaciente não faz parte de minha natureza, e genuinamente estranho certos pensamentos que cortam minha mente. De fato, é um daqueles dias de cão.
Trabalhar em um aeroporto não é fácil, mas eu gosto e me considero que possuo um privilégio grande o bastante para ter escolhido e ficado aqui por livre e espontânea vontade. Talvez o tanto de filmes que assisti tenha feito-me uma lavagem cerebral, pois vez ou outra escuto sobre a quantidade de ódio que as pessoas possuem desses lugares e me espanto. Nunca entendi, na verdade, porque gosto de imaginar que aqui seja um antro de histórias; quantas já começaram, acabaram, pausaram, etc? Tento com frequen ter um olhar diferenciado para as coisas que gosto e até para as que não gosto. Agrado-me de enxergar diferentes perspectivas e ver tudo além do que é - ou pelo menos aparenta ser.
Mas cortando toda a enrolação, no dia de hoje eu não queria fazer nada além de permanecer na cama com a preguiça pesando sobre o meu corpo. absolutamente n-a-d-a. Então era provável que eu acabasse com uma grosseria desnecessária (e indesejada) na voz ou com um olhar de impaciência. Mas tentei ao máximo deixar transparecer que eu não estava com qualquer sentimento negativo dentro de mim no meu período naquele ambiente, simplesmente para evitar sentir um pesar de consciência por tratar alguém mal sem necessidade. Por isso respirei fundo, mexi um pouco nas expressões faciais e desejei que entidades divinas me banhassem com toda a paciência do mundo para aguentar mais um dia.
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aeroporto ✈️
Romancetodos os dias, na mesma hora na mesma cadeira da mesma mesa ela se senta. e espera.