Misericórdia.
Não sei o que me deu nessa hora. Eu to num loop de pensamento sobre uma menina que eu mal conheço por causa de uma provocação besta. Mas essa hiperfixação maldita não me larga, é sempre assim!
– Oi. – carreguei toda a vergonha do mundo na minha voz. Tentei manter um sorriso no rosto o tempo todo com cara de "tudo segue bem". Anos trabalhando com gente mas a timidez de criança nunca me largou. Talvez eu precisasse voltar à terapia...
– Oi – ela sorriu de volta –, você é muito gentil. Obrigada!
Fui lentamente dando meia volta enquanto via no olhar malicioso de Isabelle a expressão de vitória. "Muito gentil"... e essa ênfase toda? Que coisa. Tinha dedo dela ali, capaz.
– E então, madame? Foi bom?
– Tu é meio lelé, sabia? Que fixação doida por uma menina que a gente nem conhece.
– A gente não fala mais "lelé" nesse século, Clarice, coisa de velho! E não é fixação; é minha natureza curiosa. Espia que já já fica melhor.
– "Coisa de velho" meu saco. Você é chata, isso sim. E espiar o quê?
Ela não respondeu, só manteve o olhar na menina que mexeu na bandeja e deu um meio sorriso. Ai, Isabelle...
– Me diz – respirei bem fundo – o que tu botou naquela bandeja?
– Comida. O pedido dela, só isso. – ela virou pra dentro do estabelecimento e olhou as unhas, dramaticamente – E teve um presentinho também...
– Eu vou matar você. Que tipo de presentinho?
– Seu endereço e nome completo pra ela te sequestrar na sua casa. – ela deu um espasmo quando agarrei na manga de sua camisa – Eita! Foi nada não, sério! Só pedi pra ela te ver depois, só isso. No fim do expediente ou intervalo, o que for melhor. – e de repente sua voz assumiu um tom de seriedade – Ela não é obrigada a ficar, você também não. Nem de conversar. Clarice, pode ser uma amiga pra você. Tá, exagerei um pouco porque a gente mal conhece a menina se não de vista, mas sei lá. É algo diferente. Se não der em nada, só mais um dia de trabalho. Seja honesta, tem alguma coisa pra se preocupar? Pelo menos movimenta um pouco. Não é me metendo não, mas te vejo tão amuada esses dias.
– É – suspirei –, to meio desanimada sim. Tem umas coisas me implicando, mas não queria meter ninguém nos meus problemas. Só deixa assim que não tem o que se preocupar. Sei lá, a gente tá falando esse tempo todo de uma desconhecida que você diz que vê sentar todo dia ali e que eu nunca notei, acho que no meio dos estresses posso ter pego pesado com você. Desculpa.
– Eu te provoquei também, gata, admito. Mas é só um jeito de matar a curiosidade. Tu sabe que eu sou estranha, vejo a menina todo dia e queria saber o que rola. É só mais um dia de trabalho, Clarice. Que mal pode fazer?
– É... só mais um dia.
Talvez eu estivesse pensamendo demais, talvez ela estivesse certa. Que mal pode fazer? É só mais um dia de trabalho.
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aeroporto ✈️
Romancetodos os dias, na mesma hora na mesma cadeira da mesma mesa ela se senta. e espera.