quatre

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Eu passei anos da minha vida odiando toda a curiosidade que eu tenho, e dessa vez não era diferente. Não sei ao certo o que diabos a Isabelle fez comigo pra me deixar tão curiosa, mas eu não conseguia parar de pensar na bendita da Anna e por que ela me olhava, se era ela que vinha todos os dias sentar ali e ficar fazendo sabe-se lá o quê, o que fazia da vida e outros milhões de questionamentos que, eventualmente, foram surgindo. Era chato e estranho pensar assim, porque do nada todos meus pensamentos focaram-se em uma coisa apenas.
– Ei... toma cuidado pra não ficar muito imersa nesse teu mundinho, viu? – Isabelle soltou no pé do meu ouvido – Eu sei que você gosta de navegar num barquinho dentro desse mar de pensamentos inquietos.
– Ha, ha. Engraçadíssima. – e é claro que respondi totalmente sem graça.
Ela parafraseou algo que escrevi um tempo atrás nas folhas de um caderno velho e, como sempre, senti uma vergonha súbita coçando na minha garganta. Eu sabia que ela não falava por mal, nem pra tirar onda, mas eu não conseguia não sentir uma pontada mínima de vergonha com aquilo. Talvez fosse meu último neurônio disposto a me sabotar.
– Eu gosto muito de você, sabia? Por isso que encho seu saco; pois irritar é a forma mais pura de demonstrar amor! – ela finalizou a frase dando um beijo na minha bochecha e a apertando logo em seguida – O pedido d'ela tá quase pronto. Você quer que eu use minhas habilidades cupidicas diretamente ou vai dar um salto de fé?
– Você não desiste né, praga. – falei semicerrando os dentes – Deixa que eu entrego. Vou ter que não confiar em você dessa vez. Aliás, que bexiga de habilidade "cupídica" é essa? Não, deixa. Deeeeeixa, eu prefiro não saber. Foca no seu trabalho, pelo amor da misericórdia. Ô refeição demorada essa.
– Me dê cinco minutos, cinco minutinhos que eu acabo o que tô fazendo. Você brigue comigo, mas não com a comida, viu? Ela não tem culpa. Se for rápido, fica cru; e se demorar, queima. Deixe tudo no seu tempo.
Ela sai da minha vista e eu só consigo balançar a cabeça. O local começa a encher um pouco. Algumas famílias se despedem de algum membro que vai embora e três grupinhos de amigos olham pro ambiente com brilho nos olhos, provavelmente vindo aqui pela primeira vez. De longe, um casal vem andando abraçado e eu torço pra escolherem meu estabelecimento. O mais alto leva uma mochila em um dos ombros, e na mão vazia, uma mala de carrinho. O mais baixo aponta pro balcão - provavelmente sugerindo ao namorado onde vir - e antes de mais qualquer coisa sinto uma mão no meu ombro.
– Você que vai entregar, amada? – Isabelle pergunta, já sabendo da resposta.
– Vou... cuida dos clientes pra mim. Seja e-du-ca-da! – sibilo como se ela fosse uma criança e corro com uma pressa desnecessária para levar o pedido à mesa.
Sinto um nervosismo desnecessário percorrer meus braços, e tento relaxar. De longe, caço a mesa com o olhar; noto que a Anna tem os olhos fixos em um livro ou caderno e aparenta estar imersa no que lê ou vê. Tipo eu uns minutos atrás, imersa nos meus pensamentos.
E deixo um sorriso escapar com esse paralelo.

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