Parte - 10

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Scott Stevenson estava tenso. Debruçado sobre sua mesa, ele demonstrava preocupação por seus planos estarem dando errado. Não queria partir para a solução final sem esgotar todas as suas possibilidades, e estava levantando a hipótese de deixar os três promissores para lá, afinal, ele ainda tinha Fernandez em cativeiro e ele estava colaborando com a criação de novos PSI tão poderosos quanto os três originais. Fernandez, coitado, ainda achava que Scott estava de posse de sua filha. Bastava ele não descobrir que ela estava solta que tudo iria continuar bem. Pelo menos, é claro, até os antigos aliados começarem a atacar, e isso era apenas questão de tempo.

Um subordinado de Scott chegou junto a ele com boas novas.

— Encontramos!

— Onde?

— 10 Quilômetros do local do impacto dos mísseis. Naquela área há realmente uma cabana abandonada beirando um lago, igual o desenho da premonitória.

— Certo. Nada de tropas dessa vez, sem soldados, apenas PSI contra PSI. Mande aqueles quatro, aqueles que estão tendo progresso.

— Os quatro? Mas eles podem ser úteis aqui quando necessitarmos de defesas!

— O contingente que temos de segundo escalão é mais do que suficiente para enfrentar qualquer arma convencional. Mande os quatro, apenas os quatro.

— Sim, senhor.

— E os preparativos da solução final?

— Quase tudo pronto senhor. Estamos em 80%!

— Fernandez está fazendo a parte dele?

— No cronograma senhor, tudo correndo bem!

— Ótimo!

Scott arruma seus óculos e fica olhando para um garoto preso a inúmeros fios e imerso em uma grande bacia d'água. É o mesmo garoto que expulsara Theta da rede da Corporação.

— E quanto a ele?

— Pronto, senhor.

— Se Theta tentar novamente, ele o receberá de braços abertos.

Kappa deu um grande salto e ganhou os ares, sobrevoou a vegetação e a floresta ao redor do lago e logo sentiu a PSI de Gamma. Dirigiu-se até lá.

Ele pousou em uma clareira e logo viu Gamma se esgueirando entre a grama, ela parecia levemente aranhada e falou na mente dele.

— Vá embora! Deixe-me sozinha!

— Não! Eu vim aqui cuidar de você!

— Você não entende, estou cansada!

— Eu também estou muito cansado, mas calma, eu vou cuidar de você!

— Como você espera conviver comigo, hein? Eu sou uma aberração!

— Olha, eu não sou um primor de normalidade também, não é muito comum um cara voar por aí como um personagem de quadrinhos...

— Você sabe do que estou falando!

— Não, não sei!

— Eu posso ler sua mente! Como você espera conviver comigo?

— E na pratica nós três não podemos fazer isso em maior ou menor escala?

— Mas comigo é diferente, eu posso realmente ler sua mente, conferir seus sentimentos, emoções, não existem segredos.

— Não gosto de segredos! Que motivo ou que segredo eu teria com você?

— Olha... você não está me entendendo, nenhum relacionamento pode sobreviver a isso, quer dizer, você nunca poderá disfarçar seus sentimentos, não dá! Quero dizer, muitas vezes, sua opinião, suas ideias, seus pensamentos... Podem me magoar sem querer, há coisas que as pessoas não precisam saber umas das outras...

— Do que você está falando?

— Escute, você não está me entendendo... Eu sei, eu sei que você quer... Que você e eu... Quero dizer, nós dois... Fossemos um casal!

— Você está certa, já estava mais do que na hora de você saber.

— Aí está o problema! Eu sempre soube! Eu sempre soube o que você pensa, o que você quer de mim, eu vi... Eu vi todas as vezes que você imaginou... coisas comigo... que você olha para mim de outro jeito... Eu... Eu... Não queria que fosse assim! Queria ser surpreendida...

Kappa agarra com força Gamma pelos ombros e a puxa para junto de si.

— Eu não entendo seu medo, eu só sei que quero te proteger, cuidar de você, qual mal há nisso?

— Apesar de ter sido criada naquele laboratório eu vi o mundo todo pelos olhos dos outros na internet, conheço culturas sem nunca ter posto os pés para fora daquelas salas geladas, e se um dia nós dois quisermos ter uma vida normal... nós vamos fracassar!

— Como assim fracassar?

— Eu sou uma garota! Quero ser tratada como tal! Quero surpresas, emoções, viver minha paixão, meus medos e vitórias! E se você me fizesse uma surpresa um dia? Que graça teria? — Ela pergunta aos prantos.

— Mas por que eu esconderia coisas de você?

— Não digo que você queira, ou que você vá querer... droga! Você não me entende! Você não tem ideia do que é uma vida normal! Eu quero viver normalmente!

Ela se ajoelha quando soluça ao chorar e ele se agacha para abraçá-la.

— Desculpa, eu não entendo o que você quer dizer... Que é uma garota, quer ser tratada como tal... Quer uma vida normal, mas... Olha, eu sei de uma coisa...

Ele segura o queixo dela delicadamente e leva o rosto dela para próximo do seu.

— Eu quero ficar com você independente do jeito, se normal ou não, eu quero cuidar de você, não importa se você lendo minha mente ou não, quero proteger você, mesmo que o mundo inteiro queira nos matar.

— Mas eu jamais poderei ser feliz... Assim... Eu quero a minha vida... como a das outras pessoas... Você não entende... Saber de tudo é uma maldição...

Ele a beija. Suavemente de início, mas à medida que os segundos se passam ela, que estava tensa, se entrega à sensação. Ela nunca sentira aquilo antes, o toque, os pequenos pelos espalhados pelo corpo se enrijecerem, e a paz momentânea, a ideia de segurança, de ser protegida, de ter alguém se unindo a ela. Era a luz emanando de um breu infindável de solidão.

Ela conseguia sentir a ternura, o amor, a preocupação com seu bem-estar oriundo de Kappa. E percebe naquele instante que a vida podia sim, valer muito a pena, mesmo na condição extremamente caótica em que viviam.

Naquele instante ela conseguia enxergar o mágico mundo em que estava imersa. Ela podia ver a melodia por trás de todas as formulas quânticas que rolavam em mundos subatômicos, as leis da física sendo aplicadas desde aos pequenos animais até a folhas levadas pelo vento, o frio oriundo do cair da noite e a luz se esgueirando da clareira em que estavam. E tudo soava como uma linda e orquestrada melodia. Como se o cosmo todo fizesse sentido, tudo fosse apenas música. E este mesmo universo orquestrasse a música tema, a música de fundo do gesto sublime que ambos estavam fazendo naquele momento.

Mas subitamente algo atrapalhou o doce som, como um instrumento desafinado no meio da orquestra. Ela viu a interrupção a tempo e empurrou o corpo de Kappa para longe do seu com toda a força que dispunha. Ele, atônito sem entender, só percebeu a rejeição dela quando um jato de ar cortante se entrepôs entre os dois. Eles escaparam por um triz de serem cortados ao meio.

Por instinto, ele imediatamente a colocou em suas costas como se a protegesse, mas não conseguia, naquele breu, saber de onde o ataque partira, percebendo ainda assim um outro corte do ar, jogando-se na grama com ela.

— Eu sei onde ele está, siga meus instintos, ligue-se a mim, eu serei seus olhos, ele está aqui, nos rondando. Você pode fazer isso! – Disse Gamma.

— Nós podemos! Eu vou proteger você.


PSI Evolution - Vencedor do Wattys 2016Onde histórias criam vida. Descubra agora