Farofa de Bacon

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O Natal definitivamente era minha época preferida do ano! Mesmo que a minha cidade não se enfeitasse muito para as festas de fim de ano e os fogos de ano novo se restringissem a dois rojões barulhentos soltados pelo meu vizinho, sempre embriagado à meia noite, eu ainda amava essa época. Parece que todo mundo ficava mais feliz. Eu definitivamente ficava mais feliz.

Minha tia resolveu naquele ano não enfeitar a casa com decoração natalina, o que me deixou muito triste. Eu e minha mãe moramos na casa da minha tia, juntas com mais seis pessoas. Ao todo somos: minha tia, seu marido e seus quatro filhos, mais a afilhada da minha tia, além de mim, Vitória, e da minha mãe, Nazaré. Minha tia não gostava muito de mim, e eu confesso que também não gostava dela. Mas não vamos falar disso agora. Eu estava contando sobre a decoração da casa.

Minha tia, Joana, disse que não ia colocar enfeites na casa naquele ano. Eu logo me ofereci para enfeitar a casa, já que ela não queria. Depois de uma tarde toda pendurando guirlandas, trocando as toalhas de mesa e arrumando o presépio e a árvore, minha tia decidiu que não gostou de nada do que eu tinha feito e chamou suas duas filhas mais novas, Mariana e Paula, para ajuda-la a rearrumar tudo.

Eu podia ter ficado muito brava com a situação. Preferi encarar como uma vitória, no entanto. Mesmo que ela tenha mudado tudo que eu fiz, pelo menos a casa se encontrava toda linda e pronta para a melhor época do ano.

Como na nossa casa já morava gente o suficiente para lotar a mesa, e a gente não tinha muito dinheiro para gastar em uma grande ceia, tia Joana não deixava ninguém chamar nenhum convidado de fora. A única exceção que ela deixou esse ano foi o Maicon, seu filho mais velho, meu primo, chamar a namorada dele.

O dia 24 de dezembro começou cedo na minha casa. Eu e minha mãe levantamos junto com o sol para fazer a faxina na casa e fazer alguns preparativos para adiantar a ceia. Já era fim de tarde quando finalmente minha tia voltou do salão com suas duas filhas.

- O Jorge falou que vai buscar o peru agora. – Joana me disse, enquanto me olhava preparar a farofa. E Jorge era meu outro primo, o segundo filho dos meus tios. – Vê se não exagera no bacon... A Paula passa mal da barriga se comer gordura demais.

- Pode deixar, tia.

- Mas também não coloca pouco demais, porque eu adoro bacon. – ela adicionou, já se virando para sair da cozinha.

Eu dei uma bufada.

- Vitória, não se irrita com a sua tia. Você sabe como ela é... – minha mãe me disse com paciência.

- Se ela tem tanta frescura com a quantidade de bacon, por que não vem ela fazer a farofa? A gente passou o dia todo aqui se matando para preparar tudo e ela ficou no salão colocando aquelas unhas postiças dela.

- Porque foi ela que pagou pelo jantar que você vai comer mais tarde. – Maicon entrou na cozinha e na conversa, andando com aquele ar de playboy que ele sempre tinha.

- Se o critério pra trabalhar é pagar pelo jantar, por que você, não ta ajudando na cozinha então? O que você fez o dia inteiro além de ser imprestável, como sempre?

- Eu sou homem, não tenho que fazer essas coisas. Eu vou comprar as bebidas com o meu pai mais tarde.

- Que porco machista! Sai da cozinha agora antes que eu corte um pedaço dessa sua bunda mole para colocar na farofa! – joguei um pedaço de cebola em cima dele.

- Quem é que você ta chamando de bunda mole? – ele ficou com a cara vermelha e veio na minha direção. Eu sustentei o olhar e não recuei – Sua ingratazinha, vive de favor aqui nessa casa e ainda vem me ofender?

- Eu vivo de favor, mas pelo menos ajudo nas tarefas de casa. E você é um encostado que não faz nada da vida.

- Meninos, parem de brigar! – minha mãe se colocou entre nós – Maicon, eu e a Vitória estamos cheias de trabalho pra terminar aqui na cozinha. Se não quer ajudar, não atrapalha, por favor. Vitória, não fala com seu primo desse jeito.

Maicon deu uma olhada rancorosa para mim antes de sair da cozinha.

- Já vai tarde, encostado.

- Vitória, eu já te falei pra você não brigar assim com o seu primo. É véspera de Natal, poxa. Por que vocês não dão uma trégua?

Não respondi. Estava com a cabeça quente demais para pensar em um argumento razoável. Terminei de picar o bacon, pensando que era um picadinho de Maicon que eu estava fazendo. Isso me deu um prazer inesperado.

- Você tá com um sorriso meio assustador no rosto. – meu primo Jorge apareceu na cozinha e roubou uma torradinha de uma cesta. Eu gostava muito dele – Eu diria que parece um sorriso de um serial killer que acabou de matar alguém.

- Quase isso, Jorge, quase isso...

- Escutei os gritos de vocês de lá da sala. – ele continuou comendo torradinhas – O que o meu irmão aprontou dessa vez?

- Nada demais. O Maicon só tava sendo ele mesmo. – respondi.

- E você sendo você mesma: esquentadinha. – ele limpou um pouco de farinha do meu rosto – Tão precisando de alguma ajuda por aqui?

- Não, 'brigada. Já terminamos tudo o que a gente podia adiantar. Já cortamos e separamos os ingredientes e já preparamos as entradinhas. Se você não comer todas as torradas, não temos mais nada pra fazer por aqui. – provoquei.

- Eu? Comendo torrada? Que torrada? – ele falou com a boca cheia. Farofa de torrada voou pela cozinha. Não pude controlar um riso alto.

- Você não ia buscar o peru, Jorge? Sem o peru não tem ceia. – minha mãe perguntou.

- Vou buscar lá no seu Jaime. Minha mãe encomendou com ele esse ano já pronto. To indo agora. Quer ir comigo, Vitória?

- Eu não. Preciso tomar um banho. To me sentindo meio fedida.

- Eu não queria falar nada não, mas você tá mesmo. – ele me provocou. Mandei a língua pra ele – Então eu já to indo. Se minha mãe perguntar, fala que eu já fui.

Ele deu um beijo na bochecha da minha mãe e uma piscada pra mim.

- Pode ir tomar seu banho, minha filha. Eu também já to acabando por aqui. – ela me disse.

Não recusei a oferta. Já era quase sete horas e eu ainda estava com a mesma roupa que eu usei o dia todo. Considerando que a festa começava as oito, eu tinha um tempinho para me arrumar.






Sobrevivendo ao NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora