Saia Justa

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O Natal na casa dos meus tios sempre seguia o mesmo ritual. Às oito as pessoas começavam a emergir de seus quartos em direção a sala. Todos bem vestidos e perfumados, como se fossem fazer alguma coisa diferente do que sentar na sala e conviver com as mesmas pessoas com que a gente convivia todos os dias. As nove e meia começava o amigo oculto. Nossa família tinha a tradição de fazer um amigo oculto no Natal, assim cada um só precisava comprar um presente. Às onze eu e minha mãe íamos para a cozinha para terminar de preparar a ceia. À meia noite, a oração de Natal era feita e a gente comia a ceia. Depois, de pança cheia, todos iam dormir e eu e minha mãe, depois de lavar toda a louça, íamos nos deitar também.

Quando terminei de vestir o lindo vestido que tinha escolhido para ficar sentada na sala, fui me juntar às poucas pessoas que tinham ficado prontas na hora. Maicon estava sentado no sofá, abraçado na sua namorada. Meu primo estava usando os cabelos cheios de gel espetados para cima. O cheiro de perfume dele era tão forte que eu senti logo que cheguei na sala. Um short de tactel estampado e uma regata vermelha completavam seu look de Natal. A namorada tinha uma cara azeda. Era essa palavra que eu achava que melhor a descrevia. A cara dela tinha uma expressão constante de uma pessoa que acabou de chupar um limão azedo. Ela era muito magra e tinha os cabelos alisados loiros prateados muito bem penteados e vestia um vestido de paetês tão espalhafatoso que eu me perguntei se ela tinha intenção de ir a um baile de formatura depois da nossa ceia.

Rose, a afilhada da minha tia, estava sentada na outra ponta do sofá, brincando com minhas primas, Mariana e Paula. Mari e Paula ainda eram crianças. A mais velha tinha nove e a outra sete anos. Elas ainda acreditavam no Papai Noel. Mariana dizia que não acreditava, mas todos na casa conseguiam sentir no ar sua ansiedade pela chegada do bom velhinho. Sentei perto delas.

- E ai, meninas? Animadas pra chegada do Papai Noel? – perguntei com ternura.

- SIIIIIIIMMM! – Paulinha respondeu animada – Eu fui uma boa menina esse ano! Tenho certeza que eu vou ganhar o presentão que eu pedi.

Mariana revirou os olhos – Ai, Paula, eu já te disse que Papai Noel não existe. Deixa de ser burra.

- Burra é quem chama! – a mais nova gritou, com lágrimas nos olhinhos – Para de falar que ele não existe! Existe sim, existe sim.

Rosa olhou feio para mim, como se a culpa pela discussão fosse minha. – Não chora, Paulinha. Claro que você vai ganhar seu presente.

- Vai ganhar porque o nosso pai comprou! Não existe, não existe... – Mari insistiu.

- EXISTE SIM! – a caçula chorava aos berros.

Minha tia saiu do quarto.

- Pelo amor... O que ta acontecendo aqui? Por que a Paula já tá chorando?

Olhei para tia Joana e tive que fingir um acesso de tosse para encobrir uma risada alta que eu soltei ao olhar para ela. Ela sempre foi muito perua, mas naquele dia ela conseguiu se superar. Ela usava tanto laquê no cabelo que seu cabelo estava mais armado do que lona de circo. Bijuterias douradas enormes estavam penduradas pelo seu corpo e um vestido de lantejoulas vermelho completavam seu visual chamativo.

Eu reparei que ela estava vestindo a mesma roupa que a namorada de Maicon ao mesmo tempo que todos na sala.

- Mas o que?? – foi só o que minha tia conseguiu pronunciar.

Até Paulinha conseguiu capitar a tensão na sala e parou de chorar. Eu conseguia sentir a eletricidade percorrendo o ar e alternava meu olhar entre minha tia, que ficava cada vez mais vermelha de raiva e a namorada do meu primo que parecia incrédula.

- Você... – minha tia tremia da cabeça aos pés – O vestido... Eu não vou ficar de par de jarros com você.

- Mãe, o que você quer que ela faça? Que ela vá pra casa trocar de roupas? – o filho mais velho intercedeu por sua amada.

- É exatamente isso que eu quero! Demorei muito tempo para achar um vestido bom pra usar hoje e eu sou a anfitriã da festa. Ela que tem que se trocar.

A moça se levantou. Seus saltos eram tão altos que parecia que ela tinha subido num palanque. A diferença de altura entre ela e minha tia era de mais de uma cabeça. – Eu não vou pra casa trocar de roupa nada! Eu moro super longe!

- Então você pega uma roupa emprestada com alguém! O que não falta é mulher nessa casa pra te emprestar um vestido. – minha tia não recuou.

- Eu não vou trocar de vestido. – a sala toda continuava em silêncio cadavérico, observando as duas discutirem – Eu comprei esse vestido só pra usar hoje. Além disso, ele ficou muito melhor em mim do que na senhora! Eu acho que a senhora já passou da idade para usar uma roupa dessas.

Isso foi como um tapa na cara de tia Joana.

- Maicon, você vai deixar essa... essa periguete falar assim com a sua mãe. – ela se jogou no sofá, se abanando – Acho que a minha pressão até caiu. Estou sentindo uma tontura. Nunca fui tão desrespeitada assim na minha própria casa.

Maicon correu para auxiliar sua mãe.

Sua namorada também se jogou no sofá, tendo um acesso muito exagerado (na minha opinião) de choro.

- Você vai deixar sua mãe me chamar de periguete? Eu... Sua namorada!

Maicon soltou as mãos de tia Joana para dar um abraço na namorada. Se eu não estivesse tão nervosa com a situação, acho que conseguiria até rir daquela cena patética. Uma tentando se fazer mais de vítima do que a outra, disputando a atenção de Maicon.

Meu primo gritou comigo: - Vitória, o que você ta fazendo parada ai olhando tudo? Por que você não ajuda? Vai buscar uma água gelada pra elas.

- Eu prefiro vinho tinto. – minha tia parou de soluçar para me instruir.

- E eu quero uma Ice. – a namorada também falou.

Antes que todo mundo achasse que eu era garçonete e começasse a me fazer pedidos de bebida, corri para a cozinha. Minha mãe já estava pronta, com um vestido bordado simples e o seu tradicional coque baixo. Ela estava terminando de montar as entradinhas.

- Por que você não me chamou, mãe? Eu te ajudava a arrumar tudo.

- Eu que não ia me meter naquela confusão lá da sala. – ela respondeu rindo – A Joana já está tendo outra crise de nervos?

Eu me juntei aos risos.

- Ela e a namorada azeda do Maicon tão com o mesmo vestido e nenhuma delas quer trocar.

- A Joana não vai sossegar até que essa se arrependa do dia que ela comprou esse vestido. – minha mãe tinha um sorriso tenro, como se essa fosse apenas mais uma travessura da sua irmã mais nova. Seu coração era tão grande que ela se recusava a ver o lado ruim das pessoas.

- VITORIA, CADÊ MEU VINHO? – escutei minha tia gritando da sala.

- Acho melhor eu ir levar isso logo. – saí da cozinha carregando as bebidas e os copos.

O jantar mal tinha começado e duas pessoas já tinham tido um colapso nervoso. Pelo visto a noite ia ser longa...




Sobrevivendo ao NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora