Quando eu entrei na sala, encontrei meu tio Marcos já na sala, abanando a sua esposa com uma revista, Maicon conversando rapidamente e baixo com sua namorada, minhas primas brincando tranquilamente no mesmo lugar e Rosa vendo novela na TV.
Todas as vezes que eu me sinto meio triste, tento lembrar da imagem do meu tio naquele dia de Natal e consigo melhorar meu humor na hora. Ele vestia uma calça de listras verticais vermelhas e brancas, uma camisa social verde bandeira, um cinto preto grosso e uma guirlanda vermelha espalhafatosa por cima da camisa e um chapéu vermelho e verde com um pompom branco na ponta. Eu só parei de rir ao receber um olhar mortífero da minha tia. Tio Marcos pareceu satisfeito com a minha reação.
Entreguei as bebidas para as duas mulheres de vestido igual e fui buscar os aperitivos na cozinha para colocar na mesa da sala. Quando eu voltei, parecia que o cenário de paz instaurado há apenas meio minuto já tinha mudado completamente.
A namorada de Maicon chorava de verdade, ensopada de vinho tinto. Tia Joana pedia desculpas de uma maneira totalmente não convincente. Maicon tentava secar a moça, meu tio parecia constrangido demais para reagir.
- Eu não acredito que você jogou vinho em mim! – lágrimas grossas escorriam do seu rosto – Você vai ter que pagar um vestido novo pra mim! Olha pra isso! Vai ficar arruinado.
Minha mãe, que chegava na sala com mais alguns petiscos, falou: - Eu consigo tirar essa mancha. Posso lavar agora se você quiser.
- Isso! – tia Joana concordou – A gente dá um jeito no seu vestido agora mesmo. Desculpa de novo por eu ser tão desastrada.
- E o que eu vou vestir? Eu não tenho nada pra usar! – a namorada continuava soluçando.
- A Rosinha pode te emprestar alguma coisa. Vocês são do mesmo tamanho. – tia Joana falou. Dava para perceber a felicidade dela.
- Eu? Por que eu? Empresta um dos seus! – Rosa protestou.
- Eu não vou vestir nenhuma roupa dessa velha!
- Já é a segunda vez que você me chama de velha! – minha tia apontou o dedo para a moça – Qual é o seu problema, hein queridinha?
- Mãe, não fala assim com ela! – Maicon interveio.
- Você vai ficar do lado dela? – a mãe lançou um olhar ameaçador para o filho.
- Coitada dela! Ela está toda molhada de vinho. Vamos resolver isso logo. Rosa, vamos lá escolher alguma roupa pra ela se trocar. – meu primo respondeu, ficando vermelho de nervosismo.
- Eu vou precisar tomar um banho. To toda grudenta.
- Você pode se arrumar no meu quarto. – o namorado ofereceu com carinho.
A namorada, Maicon e Rosa saíram da sala ruidosamente. Minha tia cantarolava enquanto comia queijinhos cortados junto a mesa.
- Você não deveria ter feito isso com a menina, Joana. – meu tio repreendeu.
- Fazer o que? Eu já disse que foi sem querer. O copo escorregou da minha mão. – ela respondeu com a maior cara de pau.
- Ninguém aqui nessa sala acredita nisso. Você tem que se desculpar com ela. – seu esposo insistiu.
- Eu já pedi desculpas. E se ninguém acredita que foi sem querer, eu não posso fazer nada. Não devo satisfações a ninguém. – falou com a boca cheia.
- E eu achava que a minha entrada com essa roupa ia ser o grande espetáculo da noite... – meu tio suspirou cansado.
- Você ta fantasiado de que, Marcos? – minha mãe perguntou.
- Duende. – ele respondeu com um sorriso travesso.
- Quando eu peço dinheiro pra comprar alguma coisa importante, você diz que a gente não tem, mas pra comprar essa fantasia ridícula você tem dinheiro, né? – tia Joana falou com amargura – Cuidado! Eu estou com a mão meio frouxa hoje... Posso acabar derrubando sem querer um copo de vinho em você também.
Meu tio riu com o comentário, mas eu reparei que ele evitou ficar muito perto da minha tia pelo resto da noite.
- Eu acho que a sua ideia foi muito divertida, tio. – comentei baixinho, para minha tia não ouvir.
- Que bom que pelo menos uma pessoa apreciou minha brincadeira. – ele me sussurrou de volta.
Eu nunca entendi por que o meu tio se casou com a tia Joana. Eles eram tão diferentes. Enquanto ela era perua e superficial, ele era tão sensato e divertido. Mas, como minha mãe me diz, o coração quer o que o coração quer. Ele deve ver alguma coisa nela que eu definitivamente não enxergo.
- Vitória! – Rosa me chamou. Fui até o quarto de onde ela me chamava. Eu só conseguia ver sua cabeça pela porta. Ela parecia estar só com a roupa de baixo – A aprendiz de bruxa inventou que queria usar o vestido que eu estava usando. Agora vou ter que passar uma roupa pra eu vestir. Você podia pegar o ferro lá na cozinha pra mim?
- Claro! – fui rapidinho na cozinha e logo entreguei o ferro para Rosa.
- Fica longe do Maicon. – ela me aconselhou enquanto se preparava para começar a passar uma blusa – Ele ta cheio de raiva porque ficou no meio do fogo cruzado entre a mãe e a namorada, então ele tá mais insuportável do que de costume.
- Eu não tinha nenhuma intenção de ficar perto do Maicon hoje, então ok. – respondi, dando de ombros.
Rosa riu do meu comentário. Eu já estava saindo do quarto quando ouvi um estrondo. Em um milésimo de segundo após o barulho, a casa toda ficou escura.
- O que aconteceu? – tio Marcos gritou da sala – Ta todo mundo bem?
Rosa vestiu a blusa ainda meio amassada e nós duas corremos para a sala. Tio Marcos já tinha acendido as velas decorativas da mesa.
- A gente estava lá no quarto passando minha blusa e ouvimos um estalo. – Rosa falou, ainda ofegante do susto.
- Será que faltou luz na rua toda? – minha tia olhou pela janela – Não... Os vizinhos estão com luz.
Maicon e sua namorada, enrolada na toalha, apareceram.
- O que aconteceu? – meu primo perguntou.
- Não sei. Acho que foi algum problema elétrico.
- Eu tava secando meu cabelo quando a gente escutou um barulho. – a namorada comentou.
- Você tava secando o cabelo agora? – Rosa perguntou – Enquanto eu tava usando o ferro?
- Ih, deve ter desarmado o disjuntor. Vou dar uma olhada. – tio Marcos se encaminhou para a cozinha. Minutos depois ele voltou, mas a luz continuava apagada – Mexi no disjuntor e não adiantou. Deve ter queimado o fusível.
-Então conserta! – minha tia guinchou.
- Eu faria isso, se tivesse um fusível em casa. Tem que comprar um, mas hoje ta tudo fechado. – ele respondeu pacientemente.
- Então vamos ficar sem luz? – Rosa perguntou.
- Vamos ter um jantar de Natal a luz de velas. – minha mãe comentou com leveza, tentando acalmar os ânimos.
- E a minha novela? – Rosa reclamou.
- E o show de Natal? – minha tia se juntou a ela.
- Vamos ficar sem tevê nesse Natal. A gente vai ter que se contentar em fazer companhia uns pros outros. - meu tio falou, não parecendo nem um pouco triste com isso.
- Ótimo! Era tudo o que eu queria, mais tempo olhando pra cara de vocês... – Maicon comentou com ironia.
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Sobrevivendo ao Natal
Roman pour AdolescentsVitória tem uma família grande. O Natal era sua época preferida, mas parece que nesse ano nem tudo ocorreu como o planejado... "O jantar mal tinha começado e duas pessoas já tinham tido um colapso nervoso. Pelo visto a noite ia ser longa..." #Simple...