o começo da dor

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Oito anos.

- Emms? - Ben susurra em meu ouvido.
- Benny me deixa dormir - resmungo com raiva - hoje não tem aula.
- preciso te dar uma coisa.
Eu o encaro e pisco, dando um sim silencioso.
Um sorriso torto se forma em seu rosto - você é muito interesseira - seus olhos castanhos não estão com aquele brilho costumeiro, hoje eles parecem até tristes, como se escondessem uma dor imensurável, que nem mesmo Ben - que sempre era forte e positivo - podia aguentar.
- o que foi? - pergunto, mesmo sabendo que ele não vai responder. Ben costuma aguentar tudo sozinho, sem preocupar ninguem, sempre pensando mais nos outros do que nele mesmo. Sempre me pergunto como ele consegue ser tão forte, segurando o mundo dele e o dos outros também, eu o admiro mais que tudo, gostaria de ser mais como ele.
- eu te amo muito - ele interrompe meu monólogo interno.
- eu também - digo sem entender o motivo dele estar me dizendo isso às cinco horas da manhã de um sábado.
Eu o encaro por alguns segundos, um silêncio incômodo se instala no quarto.
Ben se senta ao meu lado, e afaga meu cabelo, como fazia quando eu era mais nova e tinha um pesadelo.
- você vai ter que ser muito forte - ele diz, sua voz está abafada, como se ele estivesse segurando o choro, fico surpresa, nunca vi Ben derramar sequer uma lágrima.
- do que você ta falando? - eu digo ainda o encarando, a luz do sol que começa a entrar de forma preguiçosa pela janela do quarto reflete nos seus cabelos dourados. Ben parece um deus nórdico, por isso sempre foi desejado por todas as garotas da escola, queria ter puxado os cabelos claros da mamãe assim como ele.
- eu vou embora, Emms.
- o que? - pergunto incrédula.
- vou embora - ele repete. Um nó se forma em minha garganta, aquilo não parece um até logo, o tom de voz dele é sério - algo que eu nunca tinha visto - ele está tenso, como se estivesse se despedindo. Não. Isso não pode ser uma despedida. Estão eu começo a soluçar com a idéia de perde-lo,
- quero que seja feliz - ele fala me dando um beijo na testa, talvez pra aliviar meu nervosismo.
- Benny - eu soluço e as lágrimas descem quentes pelas minhas bochechas, até caírem em meus lábios, sinto o gosto delas, não salgadas como de costume, mas amargas.
- por favor, seja feliz - ele me abraça com força, me dá mais um beijo na testa, diz adeus e atravessa a porta do meu quarto.
- Benny! Benny! - eu grito algumas vezes, mas ele não responde, ele nem ao menos olha pra trás.
Eu fico em estado de choque por alguns minutos, estou atordoada, sem saber o que fazer.
Corro até o quarto de Ben, tento abrir a porta e chamo por seu nome mais algumas vezes, ele não abre, ele não responde, não ouso barulho algum. Atravesso o corredor de paredes beges, as lágrimas não param de escorrer, abro a porta do quarto dos meus pais, e tento dizer qualquer coisa em meio aos meus soluços.
- mãe! O Benny! Mãe! - mal consigo formular uma frase inteira.
- o que foi, emmy? - mamãe me olha assustada
- o Benny, mamãe. - digo em meio as minhas lágrimas.
Mamãe corre em direção ao quarto de Ben, se depara com a porta trancada. Papai pega minha mão e corre até lá, seguindo os gritos de mamãe pelo corredor.
Sangue. Há sangue escorrendo pela porta de Ben, eu choro, choro como se fosse a única coisa que eu pudesse fazer - e era - papai arromba a porta e entra. Eu vejo o corpo de Ben jogado no chão, os pulsos abertos e uma faca ao lado. O sangue grosso, não tem mais um tom vermelho, agora ele tem uma tonalidade mais escura quase atingindo o preto. Mamãe grita e ajoelha ao lado do corpo.
- naaaaaao! - Ela chora em desespero. - por que John?! Por que?! Meu bebê! - ela pergunta ao meu pai como se ele realmente pudesse responder àquela pergunta, ele apenas segura a mão dela e a abraça. Ela não solta a mão de Ben nem por um instante.
E eu apenas permaneço ali em pé, parada, olhando o cadáver do meu irmão, chorando por ele, mesmo sabendo que ele não vai voltar. Ben está morto. E eu sei que uma parte de mim também morreu.

Sonhos De Vidro (Hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora