I - Parte 2, El Chullachaqui e seu aprendiz

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   Voltando a aldeia, as duas irmãs logo foram enchidas de perguntas sobre o caçador que as acompanhava. Théo ainda se assustava com aquilo tudo.
  Naiá corre em direção ao guerreiro da tribo. Os dois entram em uma conversa intensa, e a Aiyra só faz revirar os olhos em descontento a irmã.

  - Qual a problema com você? - Théo pergunta só para Aiyra ouvir, já que agora ele está rodeado de outras meninas.

  - O que? - Ela pergunta um pouco irritada

  - Revirando os olhos para Naiá.

  - Eu só não gosto desse cara. Naiá vai sofrer por ele. - Ela cruza os braços.

  - Deixa ela.

  - O que tu tem haver com a nossa vida? - Aiyra pergunta antes de sair dando passadas pesadas até a sua oca.
 
  Théo vai atrás de Aiyra, enquanto Naiá puxa Manduka para longe de todo mundo. A garota sofre de amores pelo guerreiro, Aiyra já a advertiu várias vezes sobre os rumores mas Naiá não da ouvidos, ela sabe que ele é só seu.
 
  - Manduka... Eu já até imagino nosso casamento. - Ela fala suspirando.

  - Naiá... - Ele segura o rosto da garota delicadamente enquanto se aproxima - Eu te amo...

  Naiá devolve todo esse amor através de um beijo. Por dentro, uma fagulha de dúvida atinge Naiá e ela congela; ela abre os olhos e vê curiosidade no rosto que ela tanto admira, a garota afasta todos os pensamentos e volta a beija-lo.

   Aiyra é convocada para uma reunião dos mais velhos, já que agora tem idade suficiente para participar de discussões importantes. Ela vira as costas para o caçador, e o deixa sozinho na oca.
   Ela vai até a oca dos xamãs, um tipo de entidade que manuseia ervas, cura enfermos e tem conhecimento acima de todos, geralmente são anciões de confiança. Todos estão preparados para ir a floresta. De começo ela estranha, mas assim que chegam a um lugar específico, ela entende a situação.
   A clareira está toda queimada, algumas árvores estão derrubadas.
   É o lar do El Chullachaqui.
   O velho de uma perna só, no lugar da outra, uma perna de pau pode ser vista. El Chullachaqui pode se transformar em algum ente querido morto, atraindo as pessoas para dentro da floresta, para depois usa-las.
   O curioso é que, em tempos de bom humor, o velho pode prever o futuro.
   Os xamãs recorrem a El Chullachaqui em últimos casos de desespero.
   Dessa vez não é diferente. Uma tensão percorre todo o lugar, e a névoa azul rodeia a clareira.
   Um som ao longe pode ser ouvido, algo afundando na terra queimada junto de risadas provocadoras.

   - Você ouve isso, Saci? - Todos olham ao redor, sem ver de onde vem. - hihihi, são eles, eles querem aquilo.

   - O futuro, mestre, eles querem o futuro. - Outra voz entra na conversa e o medo faz se presente.

   - Sim, sim. O futuro eles terão

   Alguém entra na roda que a névoa azul faz e todos se assustam. O velho está em estado deplorável, a pele suja, os dentes quase inexistentes estão amarelados. Os olhos esbugalhados percorrem atentos por cada integrante da aldeia. Ele ri outra vez e olha para trás. Assim outro alguém entra. Seu aprendiz. Aquele moleque. Saci.
   O garoto que todo mundo odeia. Ele passa com seu gorro vermelho destruindo plantações e levando as caças para si. Alguns dizem que Saci é um ser mal, um demônio na terra. Já outros acreditam que é só um garoto levado querendo se divertir, felizmente essa é minoria.
   Ele vem pulando em uma perna só, já que não tem a outra. Já o velho fica de quatro, como um sapo, e vai andando assim até o xamã que tomou a dianteira.

   - O que eles querem? - O vocabulário de El Chullachaqui não é tão extenso e as vezes pode se tornar engraçado.

   - Queremos o futuro - O xamã fala firme, fazendo Saci rir debochado.

   - E quem disse que terás? - Ele pergunta, sorrindo largo.

   - Como pode ter surgido aquele pé de banana se não tem condições? - O xamã ignora Saci, irritando-o, e o garoto começa a pular entre as pessoas, encarando-as de cima a baixo.

   Aiyra olha para o xamã sem entender nada, ela pergunta baixo para alguém de seu lado logo quando Saci passa ao seu lado, e olha fundo para Aiyra, fazendo-a se arrepiar.

   - Hihihi, aquilo é uma desgraça que Jurupari põem pra eles - O velho fala enquanto cata uma minhoca.

   - Como assim?

   - Sim sim sim... Se cortar bananeira, comida vai faltar, água falta - Ele falou olhando para o nada.

   O xamã engole em seco e decide se retirar.

    - Onde vão tão cedo? - Saci para atrás do xamã, que não o olha. - Nós demos o futuro, o que vocês dão para nós? - Ele sussurra em seu ouvido.

   O xamã puxa a corda que estava esse tempo todo enrolada em sua mão. O barbante veio cheio de nós, o que faz Saci ficar atento. O garoto põem a mão na cabeça e começa a dizer algo para si mesmo, respirando fundo enquanto El Chullachaqui gargalha de um jeito louco do aprendiz. O xamã solta o barbante no chão e começa a andar de volta para a aldeia levando todos juntos.
Saci se joga no chão, tentando desatar nó por nó.

   - Droga droga droga. DROGA - Ele grita lá longe.

   No caminho, Aiyra encosta em Manduka, mesmo com desgosto do garoto, ela tem que perguntar o que está havendo.

   - Parece que surgiu essa bananeira. Sabe, do nada, não tem condições para nascer isso na aldeia.

   Aiyra entra em sua oca achando tudo isso uma baboseira, é só um pé de banana, nada demais.


 

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