Com o correr do tempo, o Sr. Earnshaw começou a definhar. Sempre
fora ativo e saudável, mas as forças abandonaram-no repentinamente, e,
quando se viu confinado ao canto da lareira, tornou-se quase que
insuportavelmente irritável. Qualquer coisinha o incomodava e a mera
suspeita de que a sua autoridade estivesse sendo contestada bastava para
colocá-lo fora de si. Isso ocorria principalmente quando alguém tentava
dominar o seu favorito ou impor-se a ele. Não permitia que se falasse uma só
palavra contra ele e parecia ter metido na cabeça a idéia de que, porque
gostava de Heathcliff, todos os demais o odiavam e desejavam fazer-lhe mal.
Aquilo era uma desvantagem para o rapaz, pois, não querendo os mais sensíveis
dentre nós afligir o patrão, satisfazíamos a sua parcialidade e, com esse
procedimento, alimentávamos o orgulho e o temperamento caprichoso do
garoto. Mas a nossa atitude era necessária; por duas ou três vezes, as manifestações
de desprezo de Hindley diante do pai provocaram no velho uma
explosão de fúria: agarrou na bengala para bater no filho e ficou a tremer de
raiva por não conseguir acertá-lo.
Por fim, o nosso cura (tínhamos então um cura sempre conosco, que
melhorava o seu nível de vida ensinando os jovens Linton e Earnshaw e
cultivando ele próprio o seu pedaço de terra) aconselhou mandar o jovem
Hindley para o colégio preparatório. O velho Earnshaw concordou, embora
dissesse, com pessimismo, que "Hindley era destituído de qualquer valor e
não adiantaria nada ele estudar".
Esperei que fôssemos, enfim, ter paz. Doía-me pensar que o patrão
sofria pela boa ação que cometera. Achava eu que a doença dele tinha origem
nas diferenças entre as pessoas da família, conforme ele sempre afirmava; a
verdade, porém, é que estava realmente doente. Apesar disso, o ambiente em
casa poderia ter melhorado, não fosse por duas pessoas, Cathy e Joseph, o
criado; aposto como o senhor o viu, lá em cima. Era, e ainda deve ser, o mais
aborrecido e intolerável fariseu que jamais folheou uma Bíblia para catar
promessas para si mesmo e maldições para os seus semelhantes. Pela sua
mania de sermonear e de fazer citações piedosas, conseguiu impressionar
grandemente o patrão: quanto mais fraco ele ficava, maior era a influência que
Joseph ganhava sobre ele. Não parava de atormentá-lo com o futuro da sua
alma e com conselhos sobre como educar rigidamente os filhos. Encorajava-o
a considerar Hindley como um réprobo e, noite após noite, desfiava um
rosário de queixas contra Heathcliff e Catherine, embora sempre procurasse
agradar o patrão, jogando as maiores culpas sobre Cathy.
Efetivamente, ela era a criança mais difícil que eu já vira. Fazia-nos
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O Morro dos Ventos Uivantes
DiversosO Morro dos Ventos Uivantes (1847) ambienta-se em Yorshire do século XVIII e narra a história de duas famílias - Linton e Earnshaw - unidas pela paixão e pelo ódio. A intensidade dos sentimentos ultrapassa até mesmo os cânones românticos.