Dores sentimentais I

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A coisa mais difícil pra mim é dizer que já passei por diversas situações de constrangimento pessoal que muitas pessoas mais velhas ainda não vivenciaram e, talvez, nem vivenciarão.

Eu quis sair de casa aos 9 anos, pois meus pais bebiam e costumavam me atingir com palavras ofensivas demais para qualquer criança suportar.
O que me fez ficar?
A falta de lugar para ir.
Não que eu não os amasse o bastante, mas sim não aguentava o inicio de um bullying familiar.

Hoje eu tento esconder dizendo que isso me tornou uma garota forte, independente e decidida.

Aquela fase em que você entra num buraco negro e parece que tudo vai te engolir, não havendo mais como escapar, já aconteceu e não desejo que ocorra de novo.

Foi num dia ensolarado, numa tarde de domingo. Estávamos na casa de uns parentes assando carne e, como não podia faltar, havia cerveja. Eu estava dentro da casa vendo tv, quando ouço gritos e a premissa de uma briga. De começo eu apenas penso comigo "Só estão brigando novamente". Porém, bem nessa hora vejo minha prima correndo e dizendo:
- Meu Deus! Quebraram o braço da tia!
- Que tia? - Digo eu.

Ai só vejo minha mãe correndo pra dentro do banheiro com o braço imóvel e chorando.
Fiquei paralisada. Estática.

Fui ao hospital com ela e tinha fraturado o braço esquerdo em 2 lugares. Usou tipoia, mas disse que não usaria gesso. Sendo durona como de costume.

Dois tios meus ficaram machucados também tentando apartar a briga dela com meu pai. E foi nesse dia que eu passei a ter vergonha de ir na casa dos meus tios. Ver todos ali olhando e imaginando "Pobrezinha da Anne tendo que encarar essas brigas constantes..."

Não fiz nada além de me trancar no meu quarto por uns 3 dias e foi nessa época que comecei a ouvir Coldplay - a melhor banda do mundo na minha humilde opinião - as músicas me penetravam/ penetram bem na alma. Tudo me fazia querer estar na minha bolha, não sair nunca mais e ser feliz nos meus sonhos.

Nessa época me tornei bem mais intimista e conseguia captar meus momentos de calmaria como algo positivo. Contudo, não eram. Isso tudo me afastou mais do mundo e só contribuiu para a minha solidão crônica.

Na escola já não falava mais com ninguém literalmente; nas aulas eu não sabia a quantas andavam os conteúdos e para piorar as provas estavam perto.

Foi quando percebi que o poder de superar os outros, todos nós naturalmente temos pelo instinto de sobrevivência de alguns milhões de anos, só que superar a si mesmo é algo que poucos conseguem e fazem durante a vida. E eu decidi que seria parte dessa minoria. Foi quando comecei a notar as mudanças.

Os garotos estavam ganhando corpo, ficando mais altos que as garotas e adquirindo espinhas na cara, além de famas de pegadores ou frouxos.

As meninas da escola estavam entrando na pré-adolescência, pensando em namoradinhos e coisas parecidas, começando a usar maquiagem na cara e menstruar.

A famosa e temida (sqñ por uns) PUBERDADE.

Enquanto isso, eu vivia com a cara nos livros, escutando música e me escondendo da realidade, sendo excluida até da possibilidade de ser uma garota "normal".

Eu não fiz o que muitas garotas rejeitadas de filmes americanos "high school" fazem de repaginar meu visual e aparecer como a gostosa desejada pelos "play boys".
Talvez até deveria.
Ou não.

Eu simplesmente passei a viver definitivamente no futuro. Pensando na faculdade e em como seria uma médica incrível e bem-sucedida.

Eu estava indo muito bem nisso até agora, quando a vida me deu uma rasteira...

Então eu percebi: não posso mais ser eu mesma, porque eu sou uma piada e de muito mau gosto.

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⏰ Última atualização: Jan 04, 2016 ⏰

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Anne E Ela MesmaOnde histórias criam vida. Descubra agora