Capítulo 1

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" O que estava sentindo não era bem tristeza, era dor. Aquilo doía, e não é um eufemismo. Doía como uma surra. - Quem é você, Alasca?"

* POV Aimee Young

Sempre me perguntei como uma pessoa se sentia após saber que um conhecido havia falecido. Eu sempre achei que as pessoas choravam além do necessário e que depois passava.

 Minha resposta veio hoje. E eu estava errada. 

Minha mãe chegou do trabalho horas mais cedo, estranhei, achei que tivesse esquecido alguma coisa e logo sairia de novo. Percebi que estava na sala há algum tempo falando com a minha irmã e com mais alguém, pela voz, uma mulher, devia ser alguma amiga, pensei. Continuei no quarto mexendo no meu celular, achando que não era algo muito importante.

" Aimee desce aqui, preciso falar com você..." - A voz dela estava estranha, triste, travada... Sem dizer nada, sai do meu quarto, desci as escadas, no sofá estavam minha irmã, minha mãe e uma colega de trabalho que eu não conhecia, a moça segurava a mão da minha mãe, que chorava compulsivamente...

" Mãe, o que foi?" -  Perguntei, me aproximei e coloquei as mãos na suas costas como forma de conforta-la e  esperando uma resposta do tipo "Fui despedida filha" ou "Bati o carro" ou uma coisa menos trágica... 

" Filha senta aqui - ela bateu no seu colo para que eu me sentasse lá - eu preciso te contar uma coisa, você precisa ficar calma..." Ela parecia completamente acabada. Não conseguia me olhar diretamente. Minha irmã e a moça, quem eu ainda não conhecia, permaneciam quietas e cabisbaixas.
Me sentei no colo dela e esperei que ela falasse.

" O seu tio me ligou a pouco tempo no serviço e...- ela fungou, olhou para o chão e depois me encarou-  ele disse que... seu avô faleceu - naquela hora eu travei, minha garganta parecia estar sendo arrancada, e as lágrimas caíram de uma vez - filha, olha, não chora, ele estava muito mal aqui, Deus levou ele para ele melhorar, ele não iria aguentar filha."
Abracei ela e ficamos ali chorando, logo meus irmãos se juntaram a nós, e a amiga da minha mãe ficou ali, em silêncio, consolando-nos. Terminamos o abraço, limpamos as lágrimas minha mãe respirou alguns segundos. 

" Filha, a gente precisa ir para a casa da sua avó ainda hoje, corre lá em cima e arruma a sua mala, a mamãe já vai lá te ajudar" ela limpou as lágrimas que ainda caiam e sorriu triste pra mim.
Acenei, sorri de volta, abracei-a, e subi as escadas correndo.

Entrei no meu quarto e me sentei na cama. Não vou mais poder conversar com ele, eu devia ter dado mais atenção, devia ter dado todo o meu tempo a ele, mostrado o quanto ele é importante para mim... Sentei na cama e chorei, chorei muito. 

Estamos sempre conscientes de que as pessoas morrem um dia, mas nunca estamos esperando isso, nunca estamos preparados. É exatamente como dizem "a ficha não cai nunca", é como se a qualquer momento ele fosse passar pela porta trazendo biscoitos e histórias... 

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"Às vezes, ainda acho que a "outra vida" é algo que inventamos para apaziguar a dor da perda, para tornar nosso tempo no labirinto suportável." - Quem é você, Alasca?

Nós morávamos na mesma cidade que a minha avó, Camberra, porém minha avó morava no lado oposto da cidade, um pouco distante.

Quando chegamos a casa da minha avó, o portão estava aberto, atravessei o quintal e abri a porta da frente, também destrancada. Encontrei minha avó na sala de visitas sentada numa pequena poltrona olhando para a parede branca na sua frente, ela não reparara que eu tinha chegado e, se reparou, não demonstrou.

Seus olhos pareciam inchados e vazios, procurando algo, ela parecia estar esperando alguma coisa, alguém...

Sempre fui mais próxima do meu avô, a minha avó sempre foi um amor de pessoa comigo, mas por algum motivo, sempre fui mais próxima dele...

Me abaixei ao seu lado e coloquei a minha mão sobre a sua, ela me olhou, vi lágrimas caindo e logo voltou a encarar a parede. Minha mãe apareceu na porta e me mandou ir para o quarto para ela ficar com a minha avó por alguns momentos.

Ao ir para o quarto de hospedes me deparo com o antigo quarto do meu avô, ele precisava ficar em um quarto separado porque tinha que usar equipamentos médicos que dificultariam se ficassem no mesmo quarto que o da minha avó. Fiquei parada alguns instantes no batente da porta...

"Você não pode me mudar e depois ir embora."  pensei...

Sai do quarto dele e fui direto ao outro. Me joguei no colchão e fiquei ali por um longo tempo. Minha mãe, tias, primos e irmãos vinham ver se eu estava bem e queriam que eu saísse dali... Mas eu não conseguia... 

Todos estavam na casa da minha avó, toda a família, e até aquelas pessoas desconhecidas que aparecem dizendo que já foram muito próximas, esperando mais informações sobre o enterro. Todos agiam normalmente, como se nada tivesse acontecido, riam e conversavam normalmente.

Então  fiquei ali... deitada, esperando que minha fase de negação fosse embora.

   "Quando você perde alguma coisa próxima, é como perder a si mesmo."  - Cartas de amor aos mortos.

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* POV Noah Clark

  "(...) as lembranças também desmoronam. Então não nos resta nada, nem mesmo um fantasma, apenas sua sombra." - Quem é você, Alasca?

era uma sexta a tarde, eu estava no meu quarto organizando minha coleção cartas. eram algumas caixas com cartas que peço as pessoas que escrevam algo sobre elas. ela escrevem. eu coloco na caixa.

eu coleciono cartas e diários que as pessoas me dão. porque eles representam uma vida inteira. e no final, eu tenho uma quantidade exata de 293 vidas bem na estante do meu quarto. entre cartas e diários.

gosto de lembrar de que as pessoas tem histórias para contar, uma vida, uma volta inteiro em volta do eixo.

estava colocando a sexta caixa de cartas no lugar quando ouço minha mãe atender o telefone. ela fala alto. logo a ouço dizer algumas palavras de conforto e subir as escadas que levam ao meu quarto. eu durmo no sótão. ela abre a porta violentamente, o que é comum, e diz para eu me arrumar pois teremos que viajar a Camberra. moramos em Sydney desde que nasci. 

"por que? tenho que terminar de arrumar meu quarto..." devo ser o único garoto de 16 anos que curte arrumar estantes... mas eu realmente gosto... é uma das poucas coisas com as quais eu me importo. entre elas está a música. minhas coleções. minha família. a literatura. histórias. e Deus. 

" bem, é o seguinte, o avô daquela menina que vinha aqui um tempo atrás, qual que é o nome dela mesmo? a Ame, Alice, eu sei lá. Então, o avô dela morreu, e a gente tem que ir lá, já vou ligar para o seu pai. a passagem pra lá deve estar barata. vamos eu, você e seu pai. seus irmãos ficam na casa da Dona Alice, sua avó."

minha mãe sempre foi impertinente, nunca se dá conta que certas coisas não devem ser ditas ou que há momentos em que se deve ficar em silêncio. 

" o avô da Aimee? sério?"

"sério né Noah, anda logo, arruma suas coisas."

Aimee era uma garota que morava aqui perto de casa, nós eramos muito próximos, mas ela teve que se mudar por causa do avô doente... o avô dela era incrível, ele tinha uma quantidade infinita de histórias pra contar. só com as histórias dele eu encheria umas duas prateleiras inteiras com diários.

ele foi o avô que eu nunca tive. eles foram a família que eu nunca tive. minha mãe sempre foi inconveniente. meu pai vive viajando. meus irmãos... bem meus irmãos são crianças ou estão na faculdade, como a Tracy.

acordo das minhas distrações. termino de colocar as caixas e diários. 293 vidas inteiras. eu daria uma delas ao avô de Aimee.

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pelo o que a minha mãe me contou depois, ele havia morrido por causa dos problemas respiratórios logo pela manhã. provavelmente só conseguiríamos ir até a casa dos Young pela manhã...

chegamos a Camberra de madrugada. fomos ao hotel já reservado pela minha mãe e decidimos esperar até a manhã para vê-los.

o quarto do hotel era bem pequeno. de modo que ficamos todos no mesmo comodo. meu pai me chamou

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⏰ Última atualização: Aug 14, 2021 ⏰

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