Capítulo 2

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  • Dedicado a Nielle Oliveira
                                    

— Então é assim que funciona — a voz repulsiva do diretor fez Emily e Juliet sobressaltarem. — Muito prático e útil. Somos mesmo sortudos em tê-la aqui, Emily, o que significa que cuidaremos de você.

O diretor fez um sinal com as mãos e um homem bem apessoado inundou o corredor escuro com uma presença imponente. Era alto, usava um bigode espesso e bem aparado, chapéu e se apoiava em um cajado dourado.

— Sir Gull, conheça Miss. Juliet, nossa caçula, nossa tulipa. É o que temos de mais especial. Tenho certeza que seus… hã… negócios… irão prosperar.

Juliet estremeceu e se encolheu toda nos braços de Emily. As duas sabiam qual destino o diretor preparava para as mais “frescas”, e o dinheiro que os traficantes de escravas sexuais pagavam eram suficiente para o diretor tirar sua aposentadoria em uma ilha particular.

Emily segurou-a firme.

— Não torne as coisas mais difíceis, bruxa!

— Ela só sai daqui se me levarem junto — Emily tentou negociar como único recurso viável.

Sir Gull olhou-a de cima a baixo, ponderando.

— Um pouco velha. Deve ter o quê, vinte anos? — Sir Gull ponderou como se visse uma oportunidade — Sua tulipa está um tanto murcha, a ruiva a regará. Mande seus enfermeiros tratarem dos hematomas.

— Sir Gull, isso está fora de cogitação. Emily não é negociável…

— Negociando? Ora, os ratos estão aprendendo a usar tais palavreados. Pois aprenda isto também: estou permitindo que você continue cuidando do lugar. Não seria uma lástima um escândalo no fim de tão prestigiada carreira como a sua? Agora trate de deixar as duas impecáveis, seu verme de excremento. Voltarei em dois dias.

***

Emily estava novamente no claustrofóbico negrume. Perdeu a respiração e se encolheu. Olhou para a janela arredondada, que entreaberta deixava a luz do dia entrar. O vidro formava um pequeno mosaico colorido. Branco e vermelho. Cores tão opostas e complementares que formavam uma única imagem. Sentia um formigamento no corpo nu e olhou. Ratos roíam sua carne quase insensibilizada pelo frio. Tentou espantá-los com movimentos fracos, apenas para vê-los voltarem mais confiantes. Estava coberta de lágrimas, sêmen e sangue secos, abandonada como esparadrapos purulentos descartados. Ao seu lado, o corpo do padre jazia. O pescoço entreaberto como a janela arredondada, deixando a vida sair. O vermelho e o branco, o yin e yang de horror. Ela permaneceu em um silêncio insensível. Deixou cair o punhal cerimonial do sacerdote. Não sabia como reagir à desejada e chocante morte de seu pai. Não sabia onde esconder a culpa esparramada no assoalho.

***

Emily acordou suando frio. A imagem do pai morto por suas mãos, e tantos outros rostos cuja desgraça atraíra, a impulsionou aos antigos desejos. Lembrou-se então de Juliet, que dependia dela para sobreviver naquele lugar. Emily lembrou-se, como toda manhã, que não podia se dar o direito de morrer. Lembrou-se que havia uma redenção esperando por ela.

Sir Gull era um homem de palavra. O diretor do manicômio sabia disso, então tratou de cumprir as exigências. Mandou cuidarem das duas garotas com esmero, preparar-lhes um banho de leite de cabra e cuidar dos hematomas de Emily. Também mandou que lhes levassem dois vestidos. Para Juliet, um comprido, lilás, repleto de bordados brancos e rendas em formatos florais. Para Emily, um mais curto, preto, que fazia conjunto com luvas compridas e meias-calças feitas de rendas.

Foram levadas pelo corredor entre as celas, julgadas pelos olhares confusos e fulminantes das demais garotas. Atravessaram a elegante sala de visitas e entraram em outro corredor, que ambas desconheciam. Apertaram as mãos uma da outra e acompanharam aquele homem de aura amedrontadora.

Manicômio Celeste Para Damas LunáticasOnde histórias criam vida. Descubra agora