Havia um esquilo nos jardins.
Um grande e cinzento esquilo. Provavelmente um Scirius carolinensis, pensou consigo Richard, se lembrando do rebuscado desenho de um roedor bastante semelhante àquele que vira em um dos volumosos livros de ciências que surrupiara da biblioteca particular da Madame Legrand.
Este livro que agora estava cuidadosamente escondido atrás de uma das estantes do sótão e que em nenhum momento antes do termino de sua leitura a velha senhora Mari White Legrand poderia procurar por ele.
Havia dois únicos lugares em toda mansão que o jovem era estritamente proibido de entrar. A oficina, onde sua protetora confeccionava com muita habilidade e talento bonecas de cerâmica e porcelana – hobby que praticava desde a época que ainda existia um senhor Legrand na casa –, algumas para sua própria coleção pessoal e outras para serem doadas anualmente ao orfanato católico para meninas de St. Bridget. E finalmente a biblioteca.
Os motivos da restrição se baseavam no extremo apreço que Madame Legrand tinha por suas coisas. Ela afirmava constantemente Richard não teria o mesmo cuidado com seus bens como ela tinha e que por isso não possuía permissão alguma para entrar nestes determinados cômodos.
Todavia, às vezes no vazio e silêncio de seu quarto, no último andar daquele casarão lúgubre e velho, Richard Alexander Legrand tinha pensamentos sombrios sobre aqueles locais proibidos. Principalmente sobre a oficina de sua madrasta, a qual nunca tivera a coragem de entrar escondido como fizera na biblioteca e que por isso nunca se quer conhecera.
Talvez haja algo de diferente na forma com que faz suas bonecas. Algo estranho e raro que utiliza e não gostaria que nem eu, nem ninguém soubesse. Talvez até mesmo as enfeitiçasse... Refletia Richard enquanto ainda perscrutava o esquilo pela pequena fresta na persiana de sua janela.
A criaturinha atravessou todo o canteiro de flores com agilidade balançando sua longa cauda farta antes de sair de dentro da propriedade dos Legrand passando a centímetros dos pés de Mari, que enrolada em um rico xale preto, regava um vaso de lisiantos azuis.
O garoto então, se permitiu observá-la, já que sua única distração fugira, certamente pelas más vibrações emanadas pela mansão. A mulher, além de seu xale, usava um longo vestido também da cor preto e um chapéu cinzento de abas retas que sombreava seu rosto, embora sem necessidade uma vez que o dia estivesse nublado.
Porém, como se soubesse que estava sendo vigiada, Mari Legrand ergueu seu regador e bruscamente se voltou para a mansão com uma expressão severa esculpida em sua face.
No mesmo instante Richard fechou a persiana e deu um passo vacilante para trás.
A escuridão voltara a engolir quase que por completamente o sótão que tomara por seu quarto desde que as enfermidades o abateram. Ao seu redor via-se apenas o contorno escuro dos móveis. A maioria, mais velhos do que sua própria existência envoltos por uma fina camada de poeira.
Assim que ouviu o inconfundível som dos passos de Madame Legrand estralando sobre os degraus de madeira da escadaria do terceiro andar – mais fortes e rápidos do que deveriam ser, delatando sua irritação – Richard se dirigiu coxeando na direção de um deles, o que por sua silhueta deveria se tratar de uma grande poltrona.
Ele se deixou cair pesadamente sobre seu assento esticando suas pernas e se declinando sobre um de seus braços. Tinha quase certeza que a mulher o vira, porém não perderia nada ao tentar ludibriá-la.
No exato momento em que a porta do sótão se abriu com um rangido esganiçado Richard fechou seus olhos.
—Não finja que está dormindo, Richard Alexander Legrand. Eu o vi na janela agora a pouco! – soou uma voz aguda, tão fria e precisa quanto a lâmina de uma navalha.
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A Casa de Bonecas da Madame Legrand
HororSenhoras e senhores, meninos e meninas, sejam todos bem-vindos a macabra Mansão Legrand, mas tomem cuidado. Não entrem na biblioteca ou na oficina de Mari White Legrand, pois os olhos inquietos de suas bonecas podem ver suas travessuras.