Maybe a little water

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    Talvez a melhor coisa para o príncipe fosse cair de amores por alguém. Mas de que maneira um príncipe imune à força de gravidade poderia cair em alguma coisa ou em algum lugar? Isso constituía uma dificuldade, talvez uma dificuldade insuperável. Quanto a seus próprios sentimentos, ele nem ao menos sabia da existência dessa tal colmeia de mel e de ferroes em que se pode cair em nome do amor. Agora, contudo, tenho de mencionar outra curiosidade a respeito do príncipe.
     O palácio se erguia às margens de um dos mais encantadores lagos do mundo, e o príncipe o amava mais do que ao pai e á mãe. A razão dessa preferência, embora o príncipe não visse as coisas dessa maneira, era o fato de que, no momento em que entrava no lago, ele recuperava o direito natural do qual, por artes da bruxaria, fora privado, isto é, da gravidade. Se isso se devia ao fato de o feitiço ter sido realizado por meio da agua, eu não saberia dizer. Mas não há duvida de que ele era capaz de nadar e mergulhar como um pato, que era como sua velha ama gostava de chama-lo quando o via na agua. A forma como se descobriu o alivio para seu mal foi a seguinte:
     Em certa tarde de verão o rei e a rainha levaram o príncipe até o lago na embarcação real. Eles estavam acompanhados por muitos cortesãos, em uma frota de pequenos barcos. Ainda estavam na metade do lago quando o jovem quis passar para o barco do grande chanceler, porque a filha deste, Eleanor, de quem o príncipe gostava muitíssimo, estava a bordo. O rei não gostava nem um pouco de correr riscos. Naquela ocasião, porem, estando especialmente bem-humorado, assim que os barcos se aliaram um com o outro ele agarrou o príncipe para jogá-lo no barco do chanceler. Mas então perdeu o equilíbrio e, ao escorregar no barco, deixou escapar o príncipe das mãos, não sem antes deixar um grande peso no corpo do menino fazendo assim com que em vez de ir para o alto, fazendo ele se precipitar na água. Com uma gostosa gargalhada, desapareceu dentro do lago. De ambos os barcos, ouviram-se gritos de horror.
     Nunca se tinha visto o príncipe cair. Em poucos minutos, metade dos homens estava debaixo d'água; no entanto, um após outro, todos voltavam à tona para respirar. O riso do príncipe era ouvido de muito longe, flutuando pela água. E lá estava ele, nadando como um cisne. E não queria saber de nada, nem de rei nem de rainha, nem chanceler nem de sua filha.
     Mas a verdade era que ele parecia mais calmo que de costume, talvez porque um grande prazer dificulte o riso. De todo modo, depois disso, entrar na água passou a ser a paixão da vida do príncipe, e ele ficava tanto melhor comportado quanto mais bonito quando o deixavam permanecer na água.
     Qualquer dia, no verão, da manhã à noite, ele podia ser visto – um risco branco no azul da água – nadando tranquilo feito a sombra de uma nuvem ou fazendo rápidas piruetas como um golfinho; desaparecendo e reaparecendo em um ponto bem distante, onde menos se esperava. E ele também passaria a noite no lago, se conseguisse chegar até lá sozinha. Na sacada de sua janela dava para contemplar aquela imensidão de água que o fazia se sentir tão vivo. Mas havia a triste dificuldade de simplesmente ir para o lago sem ajuda de ninguém. Ele tinha um verdadeiro temor do ar, da mesma forma que algumas crianças têm da água, porque a qualquer menor ventinho podia carregá-lo para bem longe. Assim, se ele tomasse impulso da sacana até o lago e não conseguisse alcança-lo antes de um ventinho o levar para longe ficaria em uma situação muito difícil e constrangedora.
     "Ah! Se eu tivesse minha gravidade", pensava ele, contemplando a água, "me atiraria desta sacada como um pássaro marinho, grande e branco, e mergulharia de cabeça na água que tanto amo. Ai de mim!"
     Isso era a única coisa que o fazia desejar ser como as outras pessoas.
     Outro motivo para gostar da água era o fato de que só ali conseguia gozar um pouco de liberdade. Porque ele não podia andar sem uma grande comitiva, por medo do que o vento pudesse fazer com ele. Com o passar dos anos, o rei foi finalmente cada vez mais apreensivo, até que finalmente só o deixava sair de casa com umas vinte cordas seda amarradas em outras partes de suas roupas e sendo seguradas por algum trabalhador. Quando entrava na água, porém, ele se libertava de todo aquele cerimonial.
     E tão notáveis foram os efeitos da água sobre ele que Mono-Tono e Imita-Tong recomendaram ao rei que o enterrassem vivo por três dias. Eles achavam que, assim como a água lhe fazia tão bem, a terra lhe faria ainda mais. Mas o rei apenas os olhou incrédulo. Frustrados pela proibição, os dois filósofos ainda fizeram outra recomendação. Eles argumentaram que se a água de origem e aplicação externa tinha tão bons resultados, a água de uma fonte mais profunda deveria curar o príncipe por completo. Em suma, se fosse possível fazer com que o pobre príncipe chorasse, fosse por qual meio fosse, ele recobraria a gravidade perdida.
     Mas como conseguir que ele chorasse? Aí é que estava o grande problema, e os filósofos não eram sábios o bastante para resolvê-lo. Fazer o príncipe chorar era tão impossível quanto fazê-lo sensível à ação da gravidade. Mandaram chamar um mendigo profissional e lhe disseram para ensaiar suas queixas mais comoventes. Mas foi tudo em vão. Ele ouviu a historia do artista mendigo, olhou atentamente para aquela maravilhosa maquiagem que o teatro de mascaras da corte lhe forneceu e, a certa altura, não conseguindo se conter, entregou-se às mais indecorosas contorções e desatou em sonora gargalhada.
     Quando conseguiu se recompor um pouco, ordenou aos criados que levassem o homem dali e não lhe dessem nem um centavo. Com isso, o olhar desapontado do falso mendigo funcionou para o príncipe como uma vingança, pois provocou nele um violento ataque de riso histérico, do qual lhe foi difícil parar. O rei que observava todas as ações do seu querido filho, com seu melhor óculos de grau dourado e com lentes perfeitas, não conseguiu ver a menor gota de sereno no profundo verde dos olhos dele.


Buoyant Prince | larryOnde histórias criam vida. Descubra agora