Banquei a durona comigo mesma até a terça-feira seguinte, quamdo almocei no colégio e fiquei esperando a aula de teatro. O pátio vazio, sei lá, andei pela quadra de esportes, pensando na vida, com aquele nó na garganta. Não deu pra segurar. Achei um canto escondido, me sentei e chorei. Chorei mesmo. Não tinha ninguem olhando.
Eu estava um bocado confusa.
Me semti indo a um ponto, depois sendo obrigada a voltar atrás... Queria ter ido adiante, mas não pude. O que aconteceu? Por que travei?
Claro, havia muitas barreiras. Seria a primeira vez, afinal, e, mesmo que isso não fosse assim tão importante pra mim, não deixava de ser a primeira. Havia muita fantasia e muitos sonhos em torno da coisa toda.
O que eu senti? Culpa? Não. Aquilo aconteceria a qualquer momento na vida. Teria de ser feito, de um jeito ou de outro. Pudor? Um pouco. Claro. Natural. Não estava acostumada. Era tudo muito estranho. Repugnância? É. Isso é o que me assustava. Senti nojo.
Uma sensação tão ruim que venceu a própria curiosidade.
Teria transado mesmo, até por simples curiosidade, se as coisas tivessem sido diferentes. A culpa foi mesmo do Renato? Estúpido, violento, grosseiro. Mas, e se os homens fossem todos assim? Já escutei muitas históirias parecidas. Não, não ia conseguir. Se is homens fossem todos daquele jeito, nunca. E o pior ê que não dava pra perguntar pra Lidia, ela que conhecia melhor essas coisas. Briguei com a minha melhor amiga. Falei aquelas coisas horríveis. Precisava pedir desculpas.
Não. Eu nunca quis ser um menino.
Nem quando era bem pequena.
Dizem que a mulher tem inveja. Nunca senti isso. Claro, no começo foi confuso. Queria ter um pinto pra fazer xixi em pé e me molhava toda tentando, achando que daquele jeito ele ia acabar crescendo.
Depois achei que o sistema era de encaixe, pir isso eu vinha com aquele buraquinho ali. A qualquer momento meu pai chegaria do trabalho com um embrulho, um lindo pinto de encaixar, e pronto, eu seria como ele. Na minha cabeça minha mãe também tinha o dela, mas não o usava sempre porque o encaixe esrava com defeito e quando ela forçava saía sangue.
Claro, isso foi bem no começo, no tempo em que eu achava que as pessoas nasciam de ovos e que a diferença entre meninos e meninas é que certos pais são muito esquecidos.
É, mas agora eu já sabia de tudo, e de que adiantava? Só teoria. Na hora de transar mesmo, nada.
Esse negócio de sexo é uma dogra. Sempre é preciso fazer alguma coisa com ele. Mesmo que seja não fazer.
Afinal, eu queria ou não?
Pelo menos os homens eram mais diretos.
O Renato, por exemplo, aquele animal, queria e pronto. Queria de qualquer jeito. Mesmo que não fosse legal. Será que eu não tinha de pensar assim também? Transar logo de uma vez. Não colocar muita expectativa na coisa, pra também não me desiludir. Quem foi que disse isso uma vez? Ah, foi a Lidia. Saudade daquela vaca.
Não adiantava. Deu pra perceber. Não ia conseguir. Já até aconteceu outras vezes, com outros caras. Não como foi com o cara, essas coisas. É isso. Comigo ia ser complicado. Meu corpo não queria assim.
E não parava de chorar.
Estava perdendo a aula de teatro. Não queria entrar lá com aquela cara passada. Fiz força, me levantei, lavei o rosto no bebedouro e sequei com a ponta da camiseta.
Eu não estava mesmo em condições de subir no palco. Devia dar pra ver pela minha cara porque Alair nem me chamou.
Voltei pra casa de ônibus com a Silvana. Era minha amiga, não muito íntima. Acho que até já havia transado e evitei me abrir com ela. Na certa iria ficar triputiando, com aquele ar superior.
Mas nem pudemos conversar mesmo porque o motorista do nosso ônibus estava enlouquecido e pra parar num fechou o ônibus de trás que teve de frear com força. Houve aquela troca normal de palavrôes e o motorista resolveu descontar e no ponto seguinte arrancou o nosso espelho retrovisor. Na parada seguinte revidamos e arrancamos o espelho deles.
Aí entramos numa avenida larga, sem pontos, os dois aumentaram a velocidade, os passageiros gritando, histéricos, para pararem com aquilo, mas aquela altura os dois já queriam se matar ou morrer.
Foi aí que senti.
Sempre acontecia em situaçôes estranhas.
Virei pra Silvana e falei:
- Menstruei.
Estavamos sendo jogadas de um lado pro outro. Talvez tenha sido aquilo. E mais as coisas que haviam acontecido nos últimos dias, as tensões. Vai saber.
- O quê?
- MENSTRUEI! - tive que gritar.
Ela me olhou espantada:
- Como é que você sabe?
Pergunta estúpida - Está escorrendo pelas minhas pernas!
Acho que as mulheres só são mesmo solidárias na menstrução.
- E agora?
- Pois é. Pteciso fazer alguma coisa - eu disse
- Salta e compra um O.B.
- Não tenho grana.
- Nem eu.
O pior era ter de falar aquilo aos berros. Um imbecil atrás de nós ouviu tudo e gritou:
- Motorista! Para que a menina aqui tá menstruada!
Gargalhada geral. É uma cidade alegre.
Eu queria morrer.
Minha saia devia estar manchada. Silvana puxou o fio:
- Desce comigo. Lá em casa a gente resolve.
Tapei a parte da frente com os cadernos e ela foi colada atrás de mim pra ninguêm ver o meu estado.
Não havia ninguém no apartamento dela. Me emprestou uma calcinha limpa e conseguiu um absorvente enorme da mãe. Me senti melhor, e pra completar roubamos uma garrafa de vinho da geladeira. Fomos beber no quarto.
-Obrigada Silvana. Valeu mesmo.
- Tudo bem. Sei como é que é isso. Ano passado menstruei dentro do cinema, vendo Tubarão III. Acho que foi todo aquele sangue.
- Era pra vir na semana que vem.
- Minha mãe diz que as preocupações mexem con a gente por dentro. Minhas regras vêm sempre dia dez, onze, mas quando começam as provas finais muda tudo.
- É.
Não queria falar dos meus problemas, por isso mantive o assunto:
- E a minha primeira vez, Silvana... você não acredita.
- Onde foi?
- No meio da aula de Geografia. Faz quatro anos. Você ainda não estava no colégio.
- Já sabia que isso ia acontecer?
- Pois é. Não sabia de nada
- Mas Aline... Você e sua mãe não conversaram?
- Não. A gente não se dá muito bem.
- E o seu pai?
- Não moro com ele. Minha mãe se casou de novo. E eu tinha raiva do meu padrasto porque quando a minha mãe começava com essa história de sangrar eu achava que era porque ele batia nela.
- Que neura.
- Como uns oito anos uma revista dessas femininas que eu comprava deu de brinde um absorvente como este aqui. Não sabia pra que era, levei pra aula de balé e usei pra enxugar o suor. As outras meninas fizeram xixi na malha de tanto rir. Foi ai que me explicaram. Quer dizer, tentaram, todas elas falaram ao mesmo tempo e não entendi nada. Tinha pago o maior mico e queria ir correndo pra casa. Depois esqueci aquilo, até a aula de Geografia. E justo no dia em que ia lá na frente falar pra turma toda sobre o Amazonas e seus afluentes.
- Tá vendo? Foi tensão.
- Eu tava lá, repetindo pra mim mesma... Solimões, Negro, Tapajós, Madeira... e começou a descer aquele rio pela minha perna.
- Que loucura.
- Não foi tanto assim, mas na hora passa uma porção de maluquices pela cabeça da gente. Primeiro achei que tinha feito xixi, sem sentir, tive vergonha de olhar. Ia ter de mudar de cidade. Aí criei coragem e olhei. Eu estava com uma saia bem curta, vi o sangue escorrendo, já pelo meio da coxa, e pensei: henorragia interna... vou morrer..." Não dava pra saber nem por onde aquilo saía. Podia ser um problema intestinal. Talvez eu tivesse comido beterraba. Passei a mão pela cadeira pra ver se não tinha sentado num prego, ou numa gilete.
- Não acredito!
-Até de apendicite lembrei. Uma crise. Depois a morte súbita. E pior, o mico. Estrebuchar ali, no meio de todo mundo.
- O que você fez?
- Juro. De repente me deu o maior sangue frio. Arranquei uma folha do caderno, amassei, cruzei as pernas e enxuguei o sangue com a maior naturalidade, como se estivesse me coçando.
- Legal.
- Aí arranquei mais duas folhas, amassei bem e consegui enfiar dentro da calcinha.
- Deu certo?
- Mais ou menos. O pior era o medo de ser chamada a qualquer momento pra ir lá na frente falar sabre os malditos afluentes do Amazonas.
- E ai?
- Não ia dar. A saída foi balançar um pouco o corpo, fechar os olhos e cair sobre a Lucia. Você não conheceu. Ela saiu da escola. Fingi um desmaio. Claro, a turma parou, o professor veio, todo carinhoso, eu disse que estava tonta. A Lucia e a Paula me levaram pra fora, pra tomar agua. Aí contei pra elas. Riram, perguntaram se era a primeira vez, e de repente me senti toda importante. Elas me abraçaram e me levaram até um táxi. Foi o máximo. Aí minha mãe foi obrigada a conversar comigo.
- Legal.
- Mais ou menos. Ela encheu minha cabeça. Primeiro me assustou, dizendo que agora aquilo aconteceria todo mês.
- É verdade.
- Mas podia ter deixado essa parte pro fim. Depois veio com o papo de que dali pra frente eu poderia engravidar. Como eu não sabia direito como funcionava a coisa, pensei que não podia nem mais olhar pros homens. Ela disse que eu tinha virado uma moça. Nada de subir em árvores, jogar futebol com os meninos.
- É. Isso a minha também falou.
A Silvana era gente boa. Eu me sentia feliz, e meio tonta por causa do vinho.
- Conseguem transformar a mentruação numa maldição. - Ela continuou - Nos proíbem de tudo. Ficamos com a sensação de que fomos afastadas da sociedade por algum crime. De repente os meninos se tornam perigosos.
- E as outras proibiçôes?
- Sem pé nem cabeça.
- Não pode andar descalça nem tomar banho frio.
- Não pode ir à praia nem mexer bolo.
- Nem beber gelado, lavar.a cabeça ou comer ovo.
- Nada de pular corda ou passar em baixo de limoeiro.
- Se fizer maionese ela desanda.
- Não comer peixe, mamão, manga, pato e peru.
- E tomar chá de canela pra não sentir cólica.
- Vai ver que o que dá cólica é o maldido chá de canela.
Ficamos rindo como duas histéricas.
Aí o telefone tocou.
A Silvana atendeu. Era a Maria. Fui pra extenção, fazer uma brincadeira, mas assim que ela começou a falar fiquei muda:
- Silvana! Você não sabe da maior! Está sentada? Sabe quem transou? T-R-A-N-S-O-U... é, minha filha, transou mesmo. A Aline! É. Com o Renato. É. Todo mundo está sabendo!
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Primeira Vez
Random"Meu corpo perdeu os limites. Ondas fortes espalharam Meus pedaços pelo infinito É... a primeira vez..." Uma historia vigorosa! Dois adolescentes a caminho da maturidade sexual, a bordo de uma nave chamada cotidiano. Aline... João! João... Aline! Am...