No domingo acordei me sentindo tão importante que sentei diante da tevê e gritei pro meu pai, lá na cozinha:
- Prepara um misto-quente e um chocolate!
- Vem fazer - ele respondeu.
Cai na real. Aquele era o fim de semana com ele. De quinze em quinze dias eu ia pra casa do meu pai. Gente boa. Mas preparar misto-quente pra mim, nem pensar.
- O que você vai fazer hoje? - perguntou
- Sei lá.
- Eu sei. Ver tevê o dia todo.
Eu mal acabei de ligar.
Ter pais separados é legal porque eles se sentem culpados e querem levar a gente a uma porção de lugares, mas havia domingos como aquele, em que o que eu queria mesmo era ficar em casa de bobeira, vendo tevê, os desenhos animados, as séries enlatadas e todas as porcarias debilóides de sempre. Melhor ainda se alguém fizesse um misto-quente, mas meu pai era jogo duro.
- Vamos a praia - insistiu.
Ir à praia com o pai. Que mico
- Não.
- Quer pegar um cinema?
Imagine se o pessoal visse na fila do cinema comendo pipoca com o pai. Teria de deixar a escola.
- Não.
- Que fazer aquela caminhada? Subir o morro do...
Ia começar com as atividades físicas. Ele cismava que eu precisava me mexer, que não fazia nenhum exercício, que acabaria corcunda, que na minha idade os ossos estavam em crescimento e precisava nadar, jogar futebol, remar e chupar cana, de preferência tudo as mesmo tempo.
- Não.
- Você precisa se mexer. Vai acabar ficando corcunda.
É isso ai. Meu velho pai. Gente boa.
Propôs ainda uma porção de atividades estimulantes do relacionamento pai-filho até que apareceu com um misto-quente e um chocolate. Isso as vezes acontecia.
- Toma, infeliz. Mas não acostuma não. Escuta, não quer fazer nada mesmo? Vai ficar na frente dessa máquina maldita o domingo inteiro?
- Por nada nesse mundo saio de casa hoje.
- Nem pra comer fora? Não tem nada pro almoço.
- Pede uma pizza pelo telefone.
- Tudo bem.
Pronto. Acabadas as formalidades, cada um foi fazer o que queria, como sempre. Ele se esticou na rede com um livro e uma dose de uísque e eu fiquei coçando o saco diante da tevê.
Às duas da tarde o telefone tocou:
- João?
Engasguei
- É.
- É o João?
- Aline?
- Oi.
- Oi.
- Tudo legal?
- Tudo.
Aquele silêncio constrangedor. Calma idiota, foi ela que te ligou.
- João.
- Oi.
- É que eu queria te agradecer.
- Ah, quê isso.
Mais um silêncio daqueles e eu precisaria desligar e ir ao banheiro.
- Agradecer o quê?
- Você sabe.
Pronto. Aquilo agora era uma conversa. Eu teria de falar também.
- João.
- Oi.
- O que você está fazendo?
- Escutando música clássica.
- Vai fazer alguma coisa mais tarde?
- Ia ao teatro, mas desmarquei.
- Tem um aniversário aqui no play. A filha de uma amiga da minha mãe faz sete anos. Brigadeiro, bola de soprar, vela, bolo, essas coisas. Um saco. Minha mãe me obrigou a ir.
O que eu tinha com isso? Não estava entendendo.
- Queria agradecer.
- Tudo bem
- Não quer passar aqui? Você foi muito legal. Queria te dizer... isso. Pelo telefone é chato. Se não tiver nada melhor pra fazer, claro. Vou estar no play lá pelas quatro horas. Não se grila não. Não tem ninguém da nossa idade. Não tenho turma no prédio. Vou ficar sozinha e podemos conversar numa boa.
De fato era um programa bem idiota. Não podia aceitar assim fácil, muito menos me mostrar ansioso:
- Claro! Claro! Eu apareço ai. Legal!
Esse era o problema comigo. A central de pensamentos não tinha controle sobre a boca.
Comecei a me arrumar imediatamente e tive de acordar meu pai pra pedir grana. Ele deu, sem perguntar nada. Nem se espantou por eu ter mudado meus planos pra domingo. Não disse nada. Gente fina mesmo.
Saí cedo demais. Resolvi ir a pé. No caminho bateu uma fome danada. Entrei num botequim, tomei um refrigerante e comi um sanduiche de salaminho. Quando cheguei no prédio dela senti que estava com um hálito terrivel.
Como tive de esperar uns quinze minutos sentado no sofá da portaria, até alguem encontrar a Aline para avisar que eu já estava ali, aproveitei pra pôr em prática um método revolucinário de acabar com aquele hálito nojento de salaminho.
A causa de mau hálito é a falta de circulação.do ar. A boca é como uma gaveta, uma geladeira, um banheiro fechado. O ar não circula, por isso tem tendencia a feder. Daí fiquei uns dez minutos com a boca aberta, até ela chegar, e subimos.
Olha, não dá pra repetir aqui o que conversamos aquela tarde. Não lembro das palavras. Só da sensação. Falamos sem parar. Ela estava linda. Calça jeans colada mo corpo, com doi rasgôes nos joelhos, e uma camiseta preta bem justa. Sem sutiã. Meu bom Deus. Um corpo perfeito, cada curva, cintura fina.
Sentamos num canto onde havia mesas e cadeiras e ela me trouxe um ponche, aquela mistura de vinho com frutas que a gente bebe como se fosse refresco, mas quando levanta percebe que está doidão. Pode ter sido isso.
Não. A coisa tinha que acontecer. Estava escrito.
Nisso eu sou meio místico.
Lembro apenas de certas frases. Isso é que foi o louco... Assim que nos encontramos não paramos de falar. Um assunto puxava o outro. Já nos conheciamos há anos, mas nunca tínhamos ficado sozinhos.
- Por que você pegou na minha mão? - ela quis saber.
- Não sei. Você ia chorar. Acho que foi...
É. Fui sincero.
As coisas estavam correndo tão bem pra mim nos últimos dias que resolvi jogar limpo.
Peguei em sua mão por puro instinto. Sentei um pouco atrás e não conseguia tirar os olhos dela. Vi lágrimas se formando.
- Queria que você não se sentisse sozinha.
Uma bela frase. Ela chegou a piscar aqueles olhos lindos pra mim e baixar o rosto de emoção. E ai foi ela que pegou na minha mão. Quer dizer, colocou a mão dela sobre a minha. E tome ponche.
- Você é um cara sensível, João.
- Quê isso.
- É sim. Naquela aula de teatro, por exemplo. Vi quando representou o menino que encontra a familia morta. Chegou a chorar de verdade.
- Foi.
- Até os pês pesados de lama...
- É
Bem, eu não tinha certeza se não contar a verdade era não ser sincero e resolvi deixar assim mesmo.
-... me defendeu do Renato.
Voltamos ao assunto
- Só quis segurar ele.
- Me protegeu.
- Olha, Aline... Na verdade tenho feito muitas coisas por instinto ultimamente. E têm dado certo.
- Sei como é. Agir sem pensar muito.
Quando me meti com o Renato eu não estava era pensando em nada mesmo.
- João... Posso tentar fazer uma coisa assim, por instinto?
- ?
Ai ela veio se aproximando e beijou a minha boca.
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Primeira Vez
Random"Meu corpo perdeu os limites. Ondas fortes espalharam Meus pedaços pelo infinito É... a primeira vez..." Uma historia vigorosa! Dois adolescentes a caminho da maturidade sexual, a bordo de uma nave chamada cotidiano. Aline... João! João... Aline! Am...