17. A fenda

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A noite passou sem problemas e, antes do nascer do sol, a tropa já estava pronta para descer a serra, e assim fizeram sob os primeiros raios de luz. Após a descida fácil, por uma trilha de quinhentos metros, surgiu a "boca". Era muito larga e profunda com um estreito beiral que margeava o precipício. O caminho era apertado até para um animal de carga. Manuel decidiu redistribuir o peso das cargas entre os animais e o índio iria só em uma mula. Cada um dos integrantes da trupe iria a pé, puxando as rédeas do seu animal. As mulas acostumadas a terrenos acidentados estariam no fim do pelotão. Em fila indiana, o grupo iniciou a travessia. O trecho de um quilômetro foi vencido com uma velocidade muito baixa, mas a última mula empacou no meio da trilha. Manuel e Francisco começaram a chamar o animal pelo nome, Branca, mas de nada adiantava. Francisco, impaciente, foi ao encontro do animal com uma corda presa à cintura. Quando alcançou Branca, tentou prender a outra ponta da corda no pescoço do animal, mas ele retrocedia a cada avanço do português. Francisco xingou o animal de todos os palavrões que recordava. Manuel ordenou a Shadá, que ainda não tinha atravessado, que iniciasse o trajeto de modo a cercar o animal teimoso. A peça, espertamente, pôs o cavalo à frente, com o intuito de se proteger de eventuais coices da mula. O animal, ao ser encurralado, iniciou o avanço, enquanto Francisco retrocedia. O cavalo empurrava a mula e, passo a passo, Branca avançava vagarosamente, até que voltou a empacar. Não tinham avançado muito, mas já era um progresso. Shadá insistiu em usar o cavalo para fazer a mula andar, mas ela começou a escoiceá-lo e ele se assustou e empinou, obrigando Shadá a recuar alguns metros. Naquele mesmo momento, Francisco retornou para onde estava Manuel. A mula, sem a pressão, voltou a andar e atravessou todo o abismo. Shadá e o cavalo fizeram a travessia logo após o animal chegar ao outro lado.

Para baixo todo santo ajuda e assim foi a descida. No mar não havia sinal dos navios e muita fumaça ainda saía do vilarejo. Do lado da serra que dava para a vila, havia pouquíssimas árvores e grandes áreas de relva junto a enormes pedras. A descida era suave e conseguiram avançar com excelente velocidade. Próximo ao meio dia, alcançaram a estrada que ligava o povoado ao engenho. Caminharam menos de meia hora, até realizarem o contato visual. Uma escrava ajoelhada à beira do caminho chorava ao lado do corpo sem vida de um semelhante. Quando chegaram à vila, a visão era devastadora! Havia poucas paredes de pé e, para onde quer que se olhasse, havia focos de incêndio, corpos, o odor de pólvora, sangue e podridão. A fumaça era sufocante e o corre-corre, constante, ninguém parecia ter notado a chegada dos visitantes. Mulheres e crianças choravam, homens gritavam de desespero e dor. A morte, acompanhada da foice, havia estado naquele campo e a colheita não havia sido pequena. Manuel fez um rápido reconhecimento do local e juntou-se novamente ao grupo.

- Só há escravos, vamos ao engenho.

Retornaram à estrada e seguiram com a maior velocidade que puderam. Havia um grande fluxo de pessoas rumo ao interior, diferente de quando chegaram. Na máquina, não havia viva alma. Uma parte da construção havia sido muito atingida e o canavial que a cercava estava em chamas. Manuel, então, se aproximou de Francisco e sussurrou:

- Qual é o nome daquele que nos levará ao índio?

- Joaquim de Queiroz.

O comandante ficou de pé na cela e gritou na direção da construção:

- Sr. Joaquim de Queiroz, fomos enviados pelo capitão Pedro Afonso!

Só o crepitar do fogo respondeu ao português, que tornou a repetir o grito:

- Sr. Joaquim de Queiroz, somos amigos! Fomos enviados pelo capitão Pedro Afonso!

Manuel se aproximou do conterrâneo e perguntou:

- Será que fugiram para a floresta? Há algum lugar sem ser a casa grande onde eles se esconderiam?

- Que eu saiba não.

Heróis Tropicais, o inícioOnde histórias criam vida. Descubra agora