O GUARDIÃO - Marx
Em algum lugar remoto, distante e inteiramente coberto pela neve, como se fosse um deserto de areia branca, havia uma Casa de Caridade. A velha estrutura, de aspecto macabro e medieval, servia aos propósitos da Milenar Religião Ariana, e visava abrigar e ensinar, aos pequenos órfãos das Cidades-Estados aliadas, o ofício do bem servir ao próximo, a fim de apresenta-los, futuramente, como fiéis Discípulos de Arya, o deus do povo ariano; ou ao menos é o que dizem por aí...
― Marx! ― trovejou uma voz feminina, delicada e apreciável como o canto das aves migratórias que surgem no verão. ― Está atrasado! ― reclamou. Era uma menininha baixinha e magricela, com não mais do que doze anos de idade.
― E daí? ― respondeu o rapaz, apático. Os seus traços físicos eram graciosos demais para um garoto de dezessete anos, e por certo ele dava os ares de uma menina.
Tratava-se de um eunuco, inopinadamente castrado aos oito anos de idade, bem como acontecia com todos os demais órfãos que tinham a infelicidade de completar os seus primeiros aniversários em lugares como esse.
― Não seja bobo! ― a garotinha bradou. ― Sabe o que eles fazem com quem desobedece... ― por um momento ela se calou, hesitante. ― eles levam para o quarto escuro... ― sussurrou cada palavra.
Falar pouco, sorrir muito e obedecer: essas eram as regras de conduta mais básicas para o bom convívio com os frades que mandavam no lugar. O quanto menos Sofia soubesse ou suspeitasse sobre a vida, mais segura ela estaria. Assim pensava o eunuco...
― Os Visionários de Arya são pessoas de muita sabedoria. São homens e mulheres destinados a guiar a humanidade para novos tempos de paz, felicidade e progresso. Portanto, eles vivem como reis e rainhas em cidades flutuantes, e transmitem uma superioridade inigualável. Arya os escolheu, pequeninos, para servir e proteger esses poucos seres iluminados, os quais foram por ele enviados para conduzir e pacificar os homens brutos desta terra. Um dia vocês terão um senhor, ou uma senhora, cujo destino hão de compartilhar na vida e na morte ― disse um idoso confiante e sorridente, em uma antiga gravação transmitida diariamente aos órfãos da casa.
― Não decepcionaremos o deus que nos concedeu a dádiva da vida! ― disseram os órfãos, em uma só voz.
Por algum motivo que o eunuco desconhecia, não parecia certo, ou muito menos saudável, que uma pequena menininha, como Sofia, estivesse mesmo destinada a se sujeitar a todos os desejos e vontades de um homem desconhecido e possivelmente violento...
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As Crônicas das Cidades Flutuantes
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